30.9.04
29.9.04
[...]
"(...) e voltou no dia seguinte, voltou no domingo, voltou na segunda-feira.
Como se quisesse esgotar, em poucas horas, todo o contido tumulto de um mar subterrâneo. Como se quisesse esgotar-se. Como se quisesse esgotar-me.
AS mãos: tão depressa muitas como logo a seguir nenhuma. A boca: ora multiplicada ora anulada de igual modo. Os olhos: sempre os mesmos, nunca os mesmos.(...)"
David Mourão Ferreira
In Um amor Feliz
28.9.04
[Multiplicidades]
Pela segunda vez em poucos dias, perguntaram-me se sou autor de outro blog para além deste.
Lembrando-me das duas histórias, fico com algumas dúvidas no alto das ideias...
será que andam convencid@s que tenho várias personalidades?
será que pensam que não tenho mais nada para fazer?
será que há por aí gente que me vê para lá de mim?
será que tenho multipla personalidade e uma série de heterónimos, como um certo poeta da nossa praça?
A minha produção bloguistica resume-se ao metrografismos (escrita e fotos), e a um projecto de blog partilhado que, apesar de já ter feito uma longa viagem, ainda não teve a devida atenção da minha parte (estou a tornar-me perito em deixar algumas pessoas penduradas).
Tanto no primeiro como no segundo caso, não me envergonharia de ser autor dos conteúdos em questão, mas, em ambos os casos, há alguém para lá de mim, que sente e escreve... ainda bem.
[Dos Amigos de Gaspar:]
AS DÚVIDAS DO GASPAR
Quem sou eu? –disse eu
só que ninguém respondeu, ninguém
mas o que foi que me deu
para estar hoje assim?
Estou aqui, se estou
mas para onde é que eu vou, quem sou?
Toda a gente sabe mais ou menos quem é
Passam carros, passa gente
vão para algum lugar é certo
vão para trás ou vão para a frente
vão para longe ou vão para perto
vão para algum lugar é certo, vão
Sérgio Godinho
27.9.04
[nos arquivos]
“(...) Porque as pessoas que dão mais valor à estabilidade e que temem tudo o que é transitório, incerto, mutável, construíram um poderoso sistema de estigmas e tabus contra o desenraizamento como força desestabilizadora e anti-social, e assim conformamo-nos a maior parte das vezes, fingimo-nos motivados por lealdades e solidariedades que realmente não sentimos, escondemos as nossas identidades secretas com o selo da aprovação. Mas a verdade escapa-se nos nossos sonhos acordados permitidos pela sociedade, os nossos mitos, a nossa arte, as nossas canções, celebramos aqueles que não pertencem ao grupo, os diferentes, os fora da lei, os excêntricos. Aquilo que proibimos a nós mesmos, pagamos bom dinheiro para admirar num teatro ou num cinema ou nas folhas de um livro. Nas nossas bibliotecas, livrarias ou locais de diversão fala-se verdade. O vadio, o assassino, o rebelde, o ladrão, o mutante, o banido, a mascara, se não reconhecêssemos neles as necessidades que não podemos preencher, não os inventariamos as vezes e vezes sem conta, em cada sitio, em todas as línguas, em todos os tempos e a cada passo.”
Salman Rushdie,
in “O Chão Que Ela Pisa “
26.9.04
[ontem à noite]
O Projecto A Naifa esteve ontem no Santiago Alquimista, em Lisboa. Foram 50 minutos de fado travestido e embrenhado no poesia, num espaço a fazer lembrar, ao de leve, o saudoso Ritz Clube.
Fica um dos meus poemas favoritos e a apresentação que abre a sua página oficial - www.anaifa.com (neste computador não consigo fazer links...).
Os Milagres Acontecem
Os milagres acontecem
a horas incertas
e nunca estou em casa
quando o carteiro passa
Hoje abriu a primeira flor
e eu disse é um sinal
olho em volta: estou só
trago esta sombra comigo
Ana Paula Inácio
*****************
"Os primeiros sons de «Canções Subterrâneas», por sugestão dos acordes da guitarra, invocam um bulício de taberna e colocam o ouvinte na expectativa de escutar um rosário de lamentos; uma sucessão de ais, no seu pior nados e criados nos trejeitos do estilo dos intérpretes, no seu melhor nutridos pelos seus sentimentos. As primeiras impressões porém são enganadoras: são filhas do hábito, do mau hábito de pensar o fado e a tradição musical como um dogma, com suas escrituras, seus santos e mártires, pregadores e seguidores autorizados apenas a pequenas revisões respeitadoras da doutrina. A ilusão, criada por A Naifa no início do seu primeiro álbum, termina exactamente ao fim do minuto e quarenta e seis segundos da introdução."
24.9.04
[Por Simona e Simona]
Escrevo com um nó na garganta. Um nó que se vem apertando há alguns dias, desde que duas activistas da ONG Italiana Uma Ponte Para foram raptadas por um grupo de extremistas no Iraque. Um nó que me asfixia, angustia, que me doi fundo.
Simona e Simona são jovens e voluntariosas. Participaram no esforço contra a guerra que o mundo promoveu. Em Itália, onde ocorreram as maiores mobilizações, estiveram ao lado de milhões e milhões de homens e mulheres, condenando a aventura armada de Bush na Babilónia, apontando o dedo à mentira, injustiça e à ganância do petróleo. A incrível mobilização do movimento social daquele país, il movimento, fez com que Berlusconi nem sequer se atrevesse a participar na coligação que fez a guerra, esse eixo do mal gerado no ocidente e travestido de paladino da democracia.
Il movimento não conseguiu impedir que, tal como os GNR's, os Carabinieri fossem para o Iraque, para assegurar a paz, dizem. Mas respondeu à altura: as iniciativas pela paz em Itália são multliplas, quase diárias, e a denuncia do que se passa em terras iraquianas é uma constante. Para lá disso, as ONG partiram para o terreno, para cooperar, para trazer notícias, para dar uma mão e fazer uma ponte, para dar uma resposta diferente e solidária ao povo iraquiano, longe do ódio e da arrogância do militarismo. E lá foram as duas Simonas para o Iraque.
No passado dia 12 a notícia foi brutal: as duas cooperantes deixavam de ser solidárias anónimas, passando a ser, juntamente com dois iraquainos, consideradas como objecto de troca. As suas vidas pela retirada dos carabinieri do Iraque, onde nunca deveriam ter ido. Berlusconi e os seus disseram que não, que não cedem ao terrorismo... mas cedem sempre a Bush.
E o drama arrastou-se durante duas longas semanas, até que a execussão das duas italianas foi anunciada. Mais duas vitimas inocentes nesta espiral de violência. A Itália e @s pacifistas estão em estado de choque.
Não há vidas que valham mais do que outras. As de Simona e Simona não valem mais do que tod@s @s vítimas deste conflito. Mas dói ver a cegueira radical com que algumas facções da resistência iraquiana respondem à ocupação criminosa do seu país: disparam em todas as direcções, matando os seus e aqueles que, por solidariedade, deram muito de si contra esta guerra infinita.
Estando contra esta guerra e conhecendo um pouco daquilo que Il movimento tem feito, sinto uma grande frustração: a Pomba da paz foi, mais uma vez, atingida por aqueles que a deveriam ter como uma esperança.
Mas não é por isto que nos vergam. A guerra não é solução, esta ocupação é criminosa, é necessário que @s iraquian@s tomem o poder em suas mãos. Sem mentiras, sem radicalismos.
23.9.04
(...)
Ana Dora, Elvira, Isabelinha, Octaviana, Ursula: foi de propósito, foi, que assim vos alinhei, como simbolos menos remotos de algunas ou de muitas outras, por esta ordem elementar de sucessão das vogais - singelo AEIOU do mau aluno que sou, repetente e relapso incorrigivel, cabulão que nunca passa da primeiríssima página da cartilha.
(...)
David Mourão Ferreira,
in Um Amor Feliz
22.9.04
[Toca e foge]
(...)
Isso é um toca e foge
Quantas vezes não
tentaste parar
E quantas vezes não
quiseste travar
Jogar as mãos, tentar
agarrar
As coisas boas desta vida
à toa
(...)
Xutos & Pontapés
[Paleariza II]
( Ler a primeira parte)
Como seria de esperar, não existia qualquer lugar para acolher viajantes em Bova Superiore. Mas, depois de uma breve consulta, soubemos que o jardim do coreto estava disponível para acampar. Muito bem, tudo bem.
A tarde estava chegar ao fim. Do lado onde poderia estar a Sicília só se via neblina. Como ainda faltavam umas horas para o concerto, decidimos subir ao castelo Normando, para una occhiata, uma vista de olhos. Subir a pique, por entre as ruelas, entrar no escuro. Sentir o calor e o cheiro da noite a adensarem-se com a caminhada.
Ao chegar, o espanto das formas que a penumbra deixava ver. Escuro. Luzes aqui e ali, dispersas. Um conjunto casas ao longe a formar uma seta luminosa para qualquer lugar desconhecido. A linha da costa bem desenhada. O silêncio e a lua crescente que nascia. Serenidade absoluta.
A páginas tantas, começamos a ouvir música vinda do casario. Pandeiros, vozes, concertina… uma melodia intemporal que chegava algumas horas antes do concerto. Tempo de descer por outras ruelas, ver os becos sombrios e procurar jantar.
A aldeia tinha-se enchido de gente, que viera para o grande encerramento do festival. A música que nos chegava aos ouvidos era improvisada por um velho que conduzia uma concertina e alguns putos que tocavam pandeiro ao despique. Um luxo tarantélico. Tascas de vão de escada, comes e bebes de fabrico local… é nestas alturas que um (quase) vegetariano se questiona, mas as alternativas acabam sempre por aparecer.
Às 22h, na praça central – cuja placa dizia, em italiano e em grego da calabria, chamar-se Roma – começavam os discursos. A organização, o presidente da comuna (em nome dos seus congéneres) e uma terceira personagem, um velhote de bigodinho, barriguita e costas arqueadas… a sua presença explicou-se pelo discurso que proferiu… digamos que, até aquele momento, nunca ouvira grego tão bom! Ecos do que ali foi dito só mesmo as confabulações do escriba… eu é que sou pressidente da Xunta.
E eis que, depois das palavras de ocasião, entra em palco A Música, essa linguagem universal promovida a substantivo próprio por José Luís Peixoto.
Enzo Avitabile, um Napolitano pesquisador de sonoridades tradicionais, e os Bottari, grupo de metais e percussão – feita a partir de pipas -, encheram a montanha de alegria e cor durante duas horas que pareceram muito. Os Sons do mundo, as palavras angulosas, o ritmo e a imaginação fizeram agitar os corpos e as almas de uma praça que, de repente, se tornara pequena para tanta grandiosidade. Tudo era uma grande vertigem a rodopiar.
21.9.04
20.9.04
[foto(b)log]
Apesar das imagens, os grafismos deste Blog são essencialmente feitos de palavras, de linhas e entrelinhas, de pinceladas verbais - substântivas ou minimais.
No entanto, fruto da minha incursão pelo mundo dos fotogramas, já existe a versão fotográfica do Metrografismos, que está a crescer de dia para a dia.
passem por lá e façam-se sentir.
19.9.04
[O Pensador)
Dois discos marcaram o meu ano de 1994.
Um chamava-se Viagens, foi da autoria de um excentrico do Porto de boas palavras, muita música e péssima voz. Vocês sabem do que estou a falar.
O segundo veio do lado de lá do Atlântico. Numa altura em que Lula - ainda vermelho e cachorro barbado, cortesia dos inimigos (alguns agora amigos) políticos - quase foi eleito, estava repleto de consciência social, de uma revolta germinada na miséria da favela, alimentadas pela fome e injustiça, e versejadas por uma cabeça muito bem pensante, a de um tal de Gabriel.
Hoje fui ve-lo e ouvi-lo pela primeira vez, a Monsanto. O concerto foi irrepreensivel, o homem rapou, dançou e improvisou, estando em alto nível. Teve também a companhia do Senhor Godinho e dos Da Weasel, que abrilhantaram o Show.
O espaço revelou-se uma agradável surpresa, com uma vista soberba sobre Lisboa e a iluminada ponte 25 de Abril.
Ficaram-me algumas palavras que desconhecia, mas que abrem portas à imaginação:
(...)
Pensa! O pensamento tem poder.
Mas não adianta só pensar.
Você também tem que dizer! Diz!
Porque as palavras têm poder.
Mas não adianta só dizer.
Você também tem que fazer! Faz!
Porque você só vai saber se o final vai ser feliz depois que tudo acontecer.
E depois a gente pensa.
E depois a gente diz.
E depois a gente faz... o que tiver que fazer!
O que tiver que fazer! (...)
Gabriel O Pensador,
in Se liga aí
17.9.04
[Still runnig]
A música é essencial nos meus dias, na forma como interpreto o mundo, como lido com ele, como construo os dias.
Há grupos que marcam a vida, e, naquela que posso considerar ser a BSMV (Banda Sonora da Minha Vida), tenho alguns que são incontornáveis. entre eles há um que se destaca, pelos sons, pela diversidade, pelo arrojo, pela poesia, pelo mediatismo e pelo espetaculo que trazem à sua volta. São de Dublin, começaram a tocar um ano antes de eu ter nascido, chamavam-se então hype.
Mais tarde adoptaram o nome de um missil balistico, eles, os pacifistas, passaram a chamar-se U2, e defendiam que, para fazer rock & roll, bastavam 3 acordes, um refrão e a verdade.
Como bons Irlandeses, são festivos, empenhados, politizados e um pouco padrecas... não podiam ser perfeitos.
Conheço os seus discos de trás para a frente, de frente para trás. As suas canções são verdadeiros épicos, tenho com elas uma relacção muito forte, emotiva. Fazem-me viajar nas recordações de 10 anos a ouvi-los - porque estiveram sempre presentes nos momentos importantes - e abrem-me as portas do futuro, dão-me esperança.
Por vezes ponho-me a pensar qual será A canção, e a conclusão é difícil. Mas acabo sempre por deixar duas para a ronda final da decisão. Uma chama-se Stay (Faraway, So Close!), e foi banda sonora de um filme de Win Wenders, a outra chama-se Running To Stand Still. Ambas me sugerem uma caminhada por ruas vazias, à procura de tudo e de mim mesmo, uma vontade de sair e de gritar, de me mexer, de procurar saidas e respostas para a inquietação. São canções que se renovam.
Running to Stand Still
And so she woke up
Woke up from where she was lyin' still.
Said I gotta do something
About where we're goin'.
Step on a fast train
Step out of the driving rain, maybe
Run from the darkness in the night.
Singing ah, ah la la la de day
Ah la la la de day.
Sweet the sin, bitter the taste in my mouth.
I see seven towers, but I only see one way out.
You gotta cry without weeping, talk without speaking
Scream without raising your voice.
You know I took the poison, from the poison stream
Then I floated out of here, singing
Ah la la la de day
Ah la la la de day.
She walks through the streets
With her eyes painted red
Under black belly of cloud in the rain.
In through a doorwayShe brings me white golden pearls
Stolen from the sea.
She is ragin'
She is ragin'
And the storm blows up in her eyes.
She will suffer the needle chill
She's running to stand still.
[Guantanamo]
No Il Manifesto de hoje há uma entrevista com o pai de um Inglês preso em Guantanamo.
Deixo-vos pedaços de um relato que, sendo uma ponta do iceberg, é absolutamente repugnante.
********************************************************
"(...) Da anni mio figlio è recluso a «Camp Echo», la zona del carcere di Guantanamo dove sono i detenuti in isolamento totale. Moazzam non vede la luce del sole da anni. Sta perdendo la vista; messaggi di altri detenuti rilasciati mi fanno sapere che le sue condizioni fisiche e mentali stanno rapidamente peggiorando.(...)"
há anos que o meu filho está preso no "Camp Echo", a zona da prisão de Guanatnamo onde estão os detidos em isolamento total. Moazzam não vê a luz do sol há anos. Está a perder a vista; mensagens de outros detidos fazem-me saber qeu as suas condições fisicas e mentais estão a piorar rapidamente.
"(...)Durante gli interrogatori, anche per 100 ore di seguito, ogni tipo di tecnica di tortura è stata applicata. Anche lo strappo delle unghie per estorcere informazioni.(...)"
Durante os interrogatórios, que chegam a passar as 100 horas seguidas, todo o tiopo de técnica de tortura foi utilizada. Também o arranque das unhas foi utilizado par extorquir informações.
"(...)Moazzam in Afghanistan era riuscito a costruire quattro pozzi di acqua potabile, poi voleva insegnare ai bambini di quel paese disastrato a leggere e scrivere aprendo delle piccole scuole. Fece la richiesta alle autorità talebane. Non ottenne alcuna risposta. Invece, a Islamabad, dove viveva con la moglie e un figlio di 5 anni venne catturato e da allora è iniziata la sua tragedia da un carcere all'altro, ho avuto poche o nessuna notizia. Infine la deportazione a Guantanamo.(...)"
Moazzam esteve no Afeganistão para construir quatro poços de água potável, e agora queria ensinar as crianças daquele país desastrado a ler e escrever, abrindo pequenas escolas. Fez o pedido às autoridades Talibans. Não obteve qualquer resposta. Em vez disso, foi capturado em Islamabad, onde vivia com a mulher e um filho de 5 anos, tendo começado a sua tragédia de uma prisão para outra, tive poucas ou nenhumas notícias. Por fim a deportação para Guantanamo.
"(...)Gli stessi generali che impartiscono ordini per le tecniche di tortura da infliggere ai detenuti di Guantanamo, come Jeffrey Miller, sono quelli di Camp Delta che per il «buon lavoro svolto» sono stati promossi nella «Emergency Reaction Force» per proseguire il «meritevole» lavoro, in Iraq, ad Abu-Ghraib.(...)"
Os mesmos generais que deram ordem para as técnicas de tortura a inflingir aos detidos de Guantanamo, como Jeffrey Miller, são os mesmos de Camp Delta, que, pelo "bom trabalho desenvolvido", foram promovidos na Emergency Reaction Force para prosseguirem o meritório trabalho no Iraque, em Abu Ghraib.
16.9.04
[ausência]
si asa um tivesse
pa voa na esse distancia
si um gazela um fosse
pa corre sem nem um cansera
anton ja na bo seio
um tava ba manche
e nunca mas ausencia
ta ser nos lemama
so na pensamento
um ta viaja sem medo
nha liberdade um te'l
e so na nha sonho
na nha sonho mieforte
um tem bo protecao
um te so bo carinho
e bo sorriso
ai solidao to'me
sima sol sozim na ceu
so ta brilha ma ta cega
na se clarao
sem sabe pa onde lumia
pa onde bai
ai solidao e un sina...
Cesaria Évora
[Ao acordar]
Hoje acordei com uma canção na cabeça, velhinha, que ouvia nos discos de vinil lá de casa... 1987. Apesar de, nessa altura, estar a inocentes milhas daquilo que transportam, estas palavras dos Trovante cedo me tocaram.
Lembras-me uma marcha de lisboa
Num desfile singular,
Quem disse
Que há horas e momentos p'ra se amar
Lembras-me uma enchente de maré
Com uma calma matinal
Quem foiquem disse
Que o mar dos olhos também sabe a sal
[refrão]:As memórias são
Como livros escondidos no pó
As lembranças são
Os sorrisos que queremos rever, devagar
Queria viver tudo numa noite
sem perder a procurar
O tempo, ou o espaço
Que é indiferente p'ra poder sonhar
[refrão]
Quem foi que provocou vontades
e atiçou as tempestades
e amarrou o barco ao cais
Quem foi, que matou o desejo
E arrancou o lábio ao beijo
E amainou os vendavais
[refrão]
devagar
Luis Represas
14.9.04
[Às voltas com os jornais]
Os Ricos que Paguem a Crise
João Paulo Guerra*
O primeiro-ministro anunciou que o Governo vai tomar medidas para «beneficiar os pobres». Já anteriormente, o Governo tinha ameaçado os ricos que usam os transportes públicos que teriam que pagar bilhetes e passes mais caros que os dos passageiros pobrezinhos. Agora, a ameaça chegou aos endinheirados que recorrem às urgências e consultas externas do Serviço Nacional de Saúde ou que vivem em velhas casas arrendadas pelas quais pagam rendas velhíssimas.
Os pobres dos ricos que vivem em habitação própria e têm segunda e terceira casas para os tempos de lazer, os que frequentam consultórios particulares, no país ou no estrangeiro, os que se deslocam em carros de alta cilindrada – sinal da retoma –, nada têm que temer. Agora, os ricos que esperam por um transporte, para depois viajarem como sardinha em lata, os poderosos que aguardam um dia inteiro por um olhar apressado de um médico num hospital ou num posto de saúde, os opulentos que habitam decrépitas assoalhadas num prédio a ruir na «baixa» de Lisboa ou do Porto, esses ricos estão feitos. Esses ricos vão pagar a crise. A crise dos pobres propriamente ditos e a dos pobres dos ricos.
Aguarda-se o anúncio de novas medidas que, em benefício dos pobrezinhos, penalizem os ricos que fazem as compras do dia na mercearia ou no mini-mercado da esquina, os abastados que se vestem nos saldos, os nabos que educam os filhos nas escolas públicas, os ricaços que, sendo assalariados, não têm como fugir aos impostos. Esta problemática estende-se também ao pagamento de portagens nas auto-estradas sem custos para os utilizadores (SCUTS) e foi tema da Universidade de Verão do JSD. Perguntou o líder aos candidatos a «boys»: «Se eu for dois dias ao Algarve é ou não justo que pague portagens na Via do Infante?». Ao que as futuras elites «laranja» terão respondido: «Ó rico, tá-se me’mo a ver que deve de pagar». Fez-se doutrina.
Os ricos que paguem a crise.
*in Diário Económico, 14/09/004
Motivés, Le chant des partisans
[Rodeado pel'...]
As palavras
São como cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.
Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.
Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.
Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?
Eugénio de Andrade
13.9.04
[Saúde]
Santana recuperou uma ideia do governo de Durão, viva Santana!
Então agora o senhor primeiro ministro não eleito quer indexar o preço das taxas moderadoras ao IRS, com o argumento da justiça fiscal. Diz ainda que as receitas do SNS correspondem só a 5% da despesa, que é preciso reverter isso, porque nada é de borla. Desta forma, quem mais tem mais pagará...
Mas há aqui uma coisinha que não cheira muito bem... é que, quem mais tem já paga mais nos impostos directos, vulgo no IRS. Isto em teoria, porque a fuga fiscal é uma relalidade que delapida o património do ministério de Bagão Félix, dizem-nos os nossos (des)governantes - mas será a declaração de IRS o fiel da balança para a diferenciação de preços.
O que está aqui em jogo é a diferenciação social. Estigmatizam-se os pobres e dão-se argumentos a quem tem possibilidades, para se afastar do SNS e se apróximar das seguradoras - não tivesse sido o Ministro Luis Filipe Pereira um alto quadro deste sector.
Sou completamente favorável à melhoria da qualidade e quantidade dos cuidados prestados, devendo @s utentes ter uma palavra de exigência. Mas, pagando em diferença, a exigência vai cair aqui, ou seja, quem mais paga vai sentir-se em direito de ter mais, de ser melhor atendido. Numa perspectiva de mercado, em que toda e qualquer instituição de saúde é cpncorrente e angariadora de clientes, isto vai levar à diferenciação de utentes consoante os rendimentos, those are the rules.
Dizem-nos ainda que caberá ao estado assegurar a equidade, isto é, caberá ao estado assegurar o refugo, garantir que existem hospitais para a plebe, para os cervos da gleba que não podem competir, que não têm status ou seguro. E não pdoemos esquecer que este serviço de saúde, qual reserva moral de um liberalismo de inspiração cristã, se verá debilitado nas suas capacidades orçamentais, uma vez que a saída dos mais abonados da esfera contributiva da segurança social irá truncar e ferir de morte a solidariedade social e intergeracional que, mal ou bem, caracterizam o Sistema até aqui existente.
Para lá de toda esta questão há ainda a conversa das receitas e das despesas do Serviço Nacional de Saúde. Fala-se sempre das contas da saúde com um espírito de merceeiro. Número de operações, numero de consultas, comprimidos engolidos, gastos, entradas, buracos financeiros e derrapagens, o ganho excessivo (??!!) dos profissionais do sector. Carissim@s: os ganhos de saúde não se avaliam ao fim de cada ano, têm de ser observados com distanciamento temporal. Porque é que ninguém fala dos das de vida, e da melhoria da qualidade da mesma, que a população ganhou com o SNS? e a capacidade produtiva, que lucro é que o SNS deu ao país? bem estar, diminuição da doença- logo dos gastos com tratamentos e recuperação...
estas são algumas evidencias que nunca são tidas em conta. porquê? porque mostram que a saúde, apesar de cara para as contas do estado, é um bem social gerador de bem estar, é uma conquista democrática e democratizante, mostram que a saúde enquanto direito universal e gratuito é uma mais valia para o país.
12.9.04
[no arquivo]
Fim de Verão*
Final de tarde, esplanada deserta e calma,
silêncio pousando ao acaso sobre as mesas brancas,
a vaga silhueta da penumbra aproxima-se devagar.
Ao longe os primeiros barcos da noite
cruzam o crepúsculo, a luz extingue-se como
um fio de sangue percorrendo o horizonte.
Entre as mãos um plácido livro, um abismo.
Os dedos folheiam lentamente a minha alma,
rumores de portos emergem do meio das folhas.
Sonho-te então no ar quente deste final de tarde,
de um lado a outro da rebentação, o som
das redes batendo na superfície da água,
teu corpo cheio de música descendo na obscuridade.
Numa noite longamente transparente como esta,
sem sopro ou luz, com léguas de mar em volta,
e a vertiginosa música pulsando entre as marés.
Relembro agora, palavra por palavra, a frescura nítida
da tua pele, o sabor a sol colhido nos lábios em pleno Agosto.
Quando amanhã partir com as primeiras chuvas, quem apanhará
a dor que atravessa, de novo, teu distante coração?
Rui Manuel Amaral
* Publicado no DNJ de 12/10/1997
10.9.04
[bicho de conta]
Atravessar a manhã tentando abrir os olhos.
A discussão dos candidatos do ps na tsf ecoa-me na cabeça, vazia de conteudos... nem a fleuma poética do manuel alegre me consegue prender a atenção.
Respirar. sentir o ar a entrar e percorrer-me.
Pensar em cores, flores e lugares.
Não conseguir escolher um disco, desejar a música.
Hoje sinto-me como um grande bicho de conta.
9.9.04
[Dicionário]
Ressaca s. f. (do Cast. resaca). 1- Movimento de recuo da onda do mar, de uma corrente ou curso de água; refluxo da vaga. (...) 2- Forte refluxo das ondas ao chocarem num obstáculo. 3- O que é incosntante, versátil, volúvel; 4- (...)
In Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, Academia das Ciências de Lisboa, Ed. Verbo, 2001
[saber perder, uma questão de método]
quantas vezes apostaste a tua vida?
apostei a minha vida mil vezes.
perdeste tudo?
sim, perdi sempre tudo.
José Luís Peixoto, in"a criança em ruínas"
8.9.04
7.9.04
[Egon Schiele]
[trânsito de ideias]

Mais um respiganço num blog do Porto. a imagem é do Tawzeeto, vem directamente do seu moleskine, passando pelo sous les pavés, la plage!
[Coisas de fotógrafos...]
Fotografei-te. Recortei a tua imagem do resto da paisagem. Fi-lo só para te poder guardar e abraçar por mais um pouco. Queria que a tua luz naquele papel ficasse para sempre. Queria a tua luz iluminar-me.Fugiste com a noite, desapareceste no pôr-do-Sol. Os teus cabelos pareciam queimar em desalinho enquanto corrias na direcção do vento.Agora é noite, já não há luz, nem papel.... só uma recordação estampada na Lua.
Belo momento de inspiração do meu amigo Anarquista Duvall. A foto vale bem a visita ao Brucsinha.
[digging for fire...]
You rule. in 15 years, you won't be as known as you
are now, but most of the people that will know
you then will like you (or else I'll beat them
with a stick). You're nice to listen to.
What band from the 80s are you?
brought to you by Quizilla
6.9.04
[Resta-nos sempre a poesia]
Só
Só por existir
Só por duvidar
Tenho duas almas em guerra
E sei que nenhuma vai ganhar
Só por ter dois sóis
Só por hesitar
Fiz a cama na encruzilhada
E chamei casa a esse lugar
E anda sempre alguém por lá
Junto à tempestade
Onde os pés não têm chão
E as mãos perdem a razão
(...)
Rui Malheiro e Tiago Leitão
para a voz e piano de Jorge Palma
4.9.04
3.9.04
Foi nas páginas do il manifesto que encontrei uma reportagem sobre um festival de folk grecânico que se realiza, anualmente, na Calábria profunda. Paleariza, nome rugoso, de difícil pronuncia.
Foi um caso de amor à primeira vista, uma fezada, uma certeza imediata - e é tão ter certezas de quando em vez... Depois de ler sobre a (épica) história desta iniciativa cultural, criado durante a década de noventa por um amante da tradição grecânica, tratei de pedir apoio a Lisboa: era preciso uma investigação na rede, para saber se ainda seria possivel colocar a música e a tradição calabresas no mapa da viagem.
A ideia estava lançada, o mais difícil foi mesmo vende-la à minha companheira de estrada, mas a minha exaltação com o acontecimento acabou por contagiá-la.
O festival é composto por concertos, palestras, passeios pedestres e outras actividades, que funcionam de forma descentralizada nas 7 comunas da zona sul da Calábria, prolongando-se por 21 dias. O nosso objectivo era o último concerto marcado no programa, a ter lugar em Bova superiore, uma pequena aldeia que, mero acaso, até vinha assinalada no meu mapa.
Partindo de Pompeia de manhãzinha, apanhámos um comboio descendente que vinha cheio até mais não. Encaixados no corredor, entre as mochilas, fomos dando uso ao tempo com historietas e deslumbramentos com a paisagem... na costa oeste a linha ferroviária está entalada entre o azul do mar e as suas compridas praias, e as montanhas que se encavalitam, umas nas outras, até perder de vista. Em Paola a geografia faz a curva, passamos a cavalgar pelo peito do pé, vendo, como pano de fundo, a miragem Siciliana a crescer.
Uma pausa para retemperar forças em Régio Calábria e eis que nos surge uma alternativa bastante forte ao folk: o campeonato nacional de braço de ferro, a realizar na mesma noite naquela cidade...
De comboio até Bova Marina, estação perdida na sola da bota. Aqui, tentámos descobrir como chegar oa destino final, a 12 kms de distância. Quando perguntávamos como chegar ao sitio, as pessoas olhavam-nos como quem diz... estes devem ter fugido de um manicómio qualquer!
Só teriamos autocarro na manhã seguinte. Seria tarde demais, era preciso fazer alguma coisa.
Nisto aparece um velho que, depois de conhecer a nossa ideia, decide empenhar-se em dar-nos uma ajudinha... mal sabiamos nós!!
Levou-nos para a estrada que, supostamente, era a única que ia para Bova. Tentou arranjar boleia junto dos amigos, mas o máximo que conseguiu foi umas ofertas de táxi a preços proibitivos... Esticámos o dedo. O trânsito era pouco. A certa altura o nosso amigo lembrou-se que afinal havia outra estrada para Bova, a um km dali, e qeu, por ser nova e moderna, era muito mais movimentada... foi nessa altura que se lembrou também que tinha de ir embora, deixando-nos ali à seca. Ricos amigos...
A nossa sorte foi ter aparecido um tipo que, não indo para Bova, decidiu levar-nos à estrada certa. Chegando ali, e por não ter nada para fazer, acabou por nos levar ao destino final.
Montanha acima, estrada de curvas largas, iamos deitando o olho ao mar, que se mostrava entre figueiras e figueiras da india (com os seus bastardini a abrir-me o apetite), oliveiras e plantações de citrinos.
A C. não parava de celebrar a grandiosidade e beleza de tudo, fazendo uso de um italiano macarrónico que vinha a compondo nesses dias. Eu limitava-me a disfrutar a sensação de sentir nascer em mim aquele sorriso, aquele sentimento de ser pequeno face a tudo, aquela vontade de ver, de correr as estradas e saber a cor de todas as horas do dia naquele lugar.
O nosso acompanhante só perguntava... "quem terá sido o cretino vos levou para a outra estrada?"... palavras para quê?
Ao virar de uma curva, nova surpresa: encavalitada no cimo de um monte, Bova superiore reinava na montanha. A minha fezada começava a ganhar corpo!
Nos próximos capitulos falar-se-á de um castelo normando, de uma noite estrelada e silenciosa, de um concerto cheio de cor e linguas estranhas, e das revelações de um domingo solarengo em que se tricotaram costumes.
2.9.04
1.9.04
[escritas...]
"(...) Escrever é uma ousadia. Não tenho ambições literárias. Gosto de Ler as coisas que escrevo, mas não acho que isso chegue. Para escrever um livro, de romance ou de poesia, é preciso que seja imprescindível para nós. Não acho que tais coisas venham nos genes."
Daniel [barnabé] Oliveira,
A Capital, 22 Agosto 2004

