12.9.04

#1
[no arquivo]

Fim de Verão
*
Final de tarde, esplanada deserta e calma,
silêncio pousando ao acaso sobre as mesas brancas,
a vaga silhueta da penumbra aproxima-se devagar.
Ao longe os primeiros barcos da noite
cruzam o crepúsculo, a luz extingue-se como
um fio de sangue percorrendo o horizonte.
Entre as mãos um plácido livro, um abismo.
Os dedos folheiam lentamente a minha alma,
rumores de portos emergem do meio das folhas.
Sonho-te então no ar quente deste final de tarde,
de um lado a outro da rebentação, o som
das redes batendo na superfície da água,
teu corpo cheio de música descendo na obscuridade.
Numa noite longamente transparente como esta,
sem sopro ou luz, com léguas de mar em volta,
e a vertiginosa música pulsando entre as marés.
Relembro agora, palavra por palavra, a frescura nítida
da tua pele, o sabor a sol colhido nos lábios em pleno Agosto.
Quando amanhã partir com as primeiras chuvas, quem apanhará
a dor que atravessa, de novo, teu distante coração?

Rui Manuel Amaral

* Publicado no DNJ de 12/10/1997