4.5.10
[voltar aos poetas que me dizem tudo]
Neste espaço a si próprio condenado
Neste espaço a si próprio condenado
Dum momento para o outro pode entrar
Um pássaro que levante o céu
E sustente o olhar
....................................
Com a tristeza acender a alegria
Com a miséria atear a felicidade
E no céu inocente da visão
Fazer pulsar um pássaro por vir
Fazer voar um novo coração
Alexandre O'Neill, No Reino da Dinamarca
18.3.10
28.12.09
26.12.09
[das palavras]
"Como tudo, as palavras têm os seus quês, os seus comos e os seus porquês. Algumas, solenes, interpelam-nos com um ar pomposo, dando-se importância, como se estivessem destinadas a grandes coisas, e, vai-se ver, não eram mais do que uma brisa leve que não conseguiria mover uma vela de moinho, outras, das comuns, das habituais, das de todos os dias, viriam a ter, afinal, consequências que ninguém se atreveria a prever, não tinham nascido para isso, e contudo abalaram o mundo."
José Saramago, in Caim
14.12.09
[grande porra, isto da poesia]
Desertei das falanges do ouro
para vir sitiar a tua sombra.
Movias-te como se jamais te prendesse
outra lealdade
que não a interrogação
de um cais. E, porém,
os teus olhos silenciosos,
somando as imagens.
Qual pano,
desce sobre a cidade o músculo
das coisas prementes.
Das safras de pólvora colhi a tua incerteza
de rapariga. Depois, perdi-te
entre os prodígios.
in Cerco Voluntário
(Cadernos do Campo Alegre/13, 2009)
29.11.09
[a mastigar]
(...)
Num dia emigram as pessoas de um ano, nunca mais os "abraça-me" nem caroços de azeitona.
Eu fico e pelos menos esta noite não sinto falta deles.
Adormeço à mesa, acordo um pouco antes do amanhecer.
Tenho de recomeçar e habituar-me aos dias de boca calada.
Pego no livro suspenso na marca, volto a acertar o passo pelo dele, pela respiração de um outro que conta. Se também eu sou um outro é porque os livros mais do que os anos e as viagens mudam os homens.
Passadas muitas páginas acaba-se por aprender uma variante, um movimento diferente do executado e que se cria inevitável.
Afasto-me daquele que sou quando aprendo a tratar de outro modo a mesma vida.
(...)
Erri de Luca,
in Três cavalos
1.11.09
15.6.09
16.5.09
#1 [...]
Adiantamento
Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã...
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não...
Não, hoje nada; hoje não posso.
A persistência confusa da minha subjectividade objectiva,
O sono da minha vida real, intercalado,
O cansaço antecipado e infinito,
Um cansaço de mundos para apanhar um eléctrico...
Esta espécie de alma...
Só depois de amanhã...
Hoje quero preparar-me,
Quero preparar-me para pensar amanhã no dia seguinte...
Ele é que é decisivo.
Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos...
Amanhã é o dia dos planos.
Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o mundo;
Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã...
Tenho vontade de chorar,
Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro...
Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.
Só depois de amanhã...
Quando era criança o circo de domingo divertia-rne toda a semana.
Hoje só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância...
Depois de amanhã serei outro,
A minha vida triunfar-se-á,
Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático
Serão convocadas por um edital...
Mas por um edital de amanhã...
Hoje quero dormir, redigirei amanhã...
Por hoje, qual é o espectáculo que me repetiria a infância?
Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã,
Que depois de amanhã é que está bem o espectáculo...
antes, não...
Depois de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei. Depois de amanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser.
Só depois de amanhã...
Tenho sono como o frio de um cão vadio.
Tenho muito sono.
Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã...
Sim, talvez só depois de amanhã...
Sim, o porvir...
Álvaro de Campos
5.2.09
14.1.09
[...]
Resulta que, como detesto ambos, não escolho nenhum; mas, coo hei-de, em certas ocasiões, ou sonhar ou agir, misturo uma coisa com outra.
Bernardo Soares, Livro do Desassossego
26.9.08
8.4.08
[...]
"Este Ricardo Reis não é o poeta, é apenas o hóspede de hotel que, ao sair do quarto , encontra uma folha de papel com verso e meio escritos, quem me terá deixado isto aqui, não foi, de certeza, a criada, não foi Lídia, esta ou a outra, que maçada, agora que está começado vai ser preciso acabá-lo, é como uma fatalidade, E as pessoas nem sonham que quem acaba uma coisa nunca é aquele que a começou, mesmo que ambos tenham um nome igual, que isso só é que se mantém constante, nada mais."
José Saramago,
in O Ano da Morte de Ricardo Reis
21.3.08
15.1.08
9.12.07
O Vento
O vento sopra contra
As janelas fechadas
Na planície imensa
Na planície absorta,
Na planície que está morta
E os cabelos do ar ondulam loucos
Tão compridos que dão a volta ao mundo
Sento-me ao lado das coisas
E bordo toda a noite da minha vida
Aqueles dias tecidos
Que tinham um ar de fantasia
Quando vieram brincar dentro de mim
E o vento contra as janelas
Faz-me pensar que eu talvez seja um pássaro.
Sophia de Mello Breyner Andressen
In Coral
5.12.07
[...]
"Não existem construções fortuitas, erguidas à parte da sociedade humana que as edificou, das suas necessidades, esperanças e entendimentos, assim como na cantaria não se encontram linhas aleatórias nem formas sem sentido. A origem e a existência de qualquer construção grandiosa, bela e útil,bem como a sua relação com o lugar que adorna, carregam muitas vezes em si histórias e dramas complexos e misteriosos. Porém, uma coisa é certa: entre a vida dos habitantes da cidade e a ponte existiu sempre um vinculo íntimo e secular"
Ivo Andric, in A ponte sobre o Drina
9.10.07
[Hombre]

De quererte cantar sufro disnea
bastante más allá de los pulmones.
Tu sombra brilla hoy en la pelea
mayor de la conciencia y las razones.
Por ti canto de pecho,
como el sueño en que giro
y leve, como aún respiro.
Por ti adelanto trecho
a lo que falta en tono
y canto lo que no perdono.
Hombre, hombre y amigo,
aún queda para estar contigo.
Hombre, hombre sin templo
desciende a mi ciudad tu ejemplo.
Supiste cabalgar contra quien odia
desde su torre de odio y exterminio,
pero, en mi parecer, te dio más gloria
el alma que tallaste a tu dominio.
La medicina escasa,
la más insuficiente
es la de remediar la mente.
Y la locura pasa
risueña cuando engaña,
cual odio de la propia entraña.
Hombre sin apellido,
un poco de piedad te pido:
hombre, ay, todavía,
que un tanto más allá está el día.
De la melena inculta a la calvicie,
del número inicial a lo incontable,
desde la tumba hasta la superficie,
tras breve veinte tan multiplicable
me llega un canto alado
de fiebres de la infancia,
me brota la invención del ansia
y entero y mutilado,
furiosamente a besos,
te doy mi corazón travieso:
Hombre, hombre sin muerte,
la noche respiró tu suerte,
hombre de buen destino,
y hay luces puestas en camino.
Cuenta Silvio: «La compuse hace cinco años, cuando el Che cumplía veinte de asesinado. Ahora hace un cuarto de siglo y me estremece igual.»
20.6.07
[dos livros]
Nos últimos meses, não tenho tido muito tempo para ler mais do que o estritamente necessário para responder ao desafio do mestrado. Mas os livros são uma constante na minha vida. Há sempre muitos em lista de espera, leituras simultâneas e abandonos.
Depois de uma pesquisa, eis o resumo das últimas leituras.
O Pintor de Batalhas, de Arturo Pérez Reverte
A história de um fotógrafo de guerra reformado que pinta uma eterna batalha. Profundamente inquietante.
Andanças com Heródoto, de Ryszard Kapuscinski
Um livro de viagens que conta as primeiras deambulações do autor pelo lado de cá da cortina de ferro, acompanhado daquele que terá sido o primeiro livro de viagens da história da humanidade, Histórias de Heródoto
A Cova do Lagarto, de Filomena Marona Beja
Este só o li já impresso, não tive direito à primeira prova. Ao quinto romance, a escrita está mais seca e depurada.
Russendisko, de Wladimir Kaminer
Uma visão muito especial sobre a diáspora russa na Alemanha nos anos que se seguiram ao fim da URSS. Apesar de manter o tom mordaz, falta-lhe o fôlego de Militar Musik, o primeiro livro de Kaminer.
Ardinas da Mentira, de Renato Teixeira
Um ensaio sobre o moderno jornalismo feito em Portugal e no Mundo.
Poesia Reunida, de Nuno Júdice
Nunca li este livro. Desde há 2 anos e meio que o venho lendo.