22.9.04

#1
[Paleariza II]

( Ler a primeira parte)


Como seria de esperar, não existia qualquer lugar para acolher viajantes em Bova Superiore. Mas, depois de uma breve consulta, soubemos que o jardim do coreto estava disponível para acampar. Muito bem, tudo bem.
A tarde estava chegar ao fim. Do lado onde poderia estar a Sicília só se via neblina. Como ainda faltavam umas horas para o concerto, decidimos subir ao castelo Normando, para una occhiata, uma vista de olhos. Subir a pique, por entre as ruelas, entrar no escuro. Sentir o calor e o cheiro da noite a adensarem-se com a caminhada.
Ao chegar, o espanto das formas que a penumbra deixava ver. Escuro. Luzes aqui e ali, dispersas. Um conjunto casas ao longe a formar uma seta luminosa para qualquer lugar desconhecido. A linha da costa bem desenhada. O silêncio e a lua crescente que nascia. Serenidade absoluta.
A páginas tantas, começamos a ouvir música vinda do casario. Pandeiros, vozes, concertina… uma melodia intemporal que chegava algumas horas antes do concerto. Tempo de descer por outras ruelas, ver os becos sombrios e procurar jantar.
A aldeia tinha-se enchido de gente, que viera para o grande encerramento do festival. A música que nos chegava aos ouvidos era improvisada por um velho que conduzia uma concertina e alguns putos que tocavam pandeiro ao despique. Um luxo tarantélico. Tascas de vão de escada, comes e bebes de fabrico local… é nestas alturas que um (quase) vegetariano se questiona, mas as alternativas acabam sempre por aparecer.
Às 22h, na praça central – cuja placa dizia, em italiano e em grego da calabria, chamar-se Roma – começavam os discursos. A organização, o presidente da comuna (em nome dos seus congéneres) e uma terceira personagem, um velhote de bigodinho, barriguita e costas arqueadas… a sua presença explicou-se pelo discurso que proferiu… digamos que, até aquele momento, nunca ouvira grego tão bom! Ecos do que ali foi dito só mesmo as confabulações do escriba… eu é que sou pressidente da Xunta.
E eis que, depois das palavras de ocasião, entra em palco A Música, essa linguagem universal promovida a substantivo próprio por José Luís Peixoto.
Enzo Avitabile, um Napolitano pesquisador de sonoridades tradicionais, e os Bottari, grupo de metais e percussão – feita a partir de pipas -, encheram a montanha de alegria e cor durante duas horas que pareceram muito. Os Sons do mundo, as palavras angulosas, o ritmo e a imaginação fizeram agitar os corpos e as almas de uma praça que, de repente, se tornara pequena para tanta grandiosidade. Tudo era uma grande vertigem a rodopiar.