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[Às voltas com os jornais]
Os Ricos que Paguem a Crise
João Paulo Guerra*
O primeiro-ministro anunciou que o Governo vai tomar medidas para «beneficiar os pobres». Já anteriormente, o Governo tinha ameaçado os ricos que usam os transportes públicos que teriam que pagar bilhetes e passes mais caros que os dos passageiros pobrezinhos. Agora, a ameaça chegou aos endinheirados que recorrem às urgências e consultas externas do Serviço Nacional de Saúde ou que vivem em velhas casas arrendadas pelas quais pagam rendas velhíssimas.
Os pobres dos ricos que vivem em habitação própria e têm segunda e terceira casas para os tempos de lazer, os que frequentam consultórios particulares, no país ou no estrangeiro, os que se deslocam em carros de alta cilindrada – sinal da retoma –, nada têm que temer. Agora, os ricos que esperam por um transporte, para depois viajarem como sardinha em lata, os poderosos que aguardam um dia inteiro por um olhar apressado de um médico num hospital ou num posto de saúde, os opulentos que habitam decrépitas assoalhadas num prédio a ruir na «baixa» de Lisboa ou do Porto, esses ricos estão feitos. Esses ricos vão pagar a crise. A crise dos pobres propriamente ditos e a dos pobres dos ricos.
Aguarda-se o anúncio de novas medidas que, em benefício dos pobrezinhos, penalizem os ricos que fazem as compras do dia na mercearia ou no mini-mercado da esquina, os abastados que se vestem nos saldos, os nabos que educam os filhos nas escolas públicas, os ricaços que, sendo assalariados, não têm como fugir aos impostos. Esta problemática estende-se também ao pagamento de portagens nas auto-estradas sem custos para os utilizadores (SCUTS) e foi tema da Universidade de Verão do JSD. Perguntou o líder aos candidatos a «boys»: «Se eu for dois dias ao Algarve é ou não justo que pague portagens na Via do Infante?». Ao que as futuras elites «laranja» terão respondido: «Ó rico, tá-se me’mo a ver que deve de pagar». Fez-se doutrina.
Os ricos que paguem a crise.
*in Diário Económico, 14/09/004