30.10.04

#3
[paisagem onírica]

A luz, quase perfeita, desenrola perante mim uma cidade diferente da Lisboa de todos os dias.
Entre sacos de hortaliça, o cheiro das últimas sardinhas e os negócios de ocasião, vou-me cruzando com turistas e exploradores, com pesquisadores de alquimias mulitiplas e viajantes, com amantes resplandecentes, com gente feita de tanta coisa.
Ninguém me vê, estou como que rarefeito. Deixo-me vaguear pelos recantos de cada beco, em cada esquina, pelas mesas de café, nas cores quentes das buganvílias e dos ibiscos, nos ramos nús das árvores. Repouso sentado no tejadilho do eléctrico, enquanto passo a mão e afago, distraidamente, a linha do horizonte.
Sem palavras, percorro o espaço entre as gotas da chuva, deixando que o ar frio me acaricie. Experimento a vertigem de ir de mãos dadas com a plenitude.
Por vezes acordamos meio perdidos em nós, mas com a certeza de que os sonhos estão dispostos à maior de todas as transgressões: enfrentar o dia e não ir embora.
#2
[da Irlanda]


An Irish Airman Foresees his Death

I know that I shall meet my fate
Somewhere among the clouds above;
Those that I fight I do not hate,
Those that I guard I do not love;

My country is Kiltartan Cross,
My countrymen Kiltartan's poor,
No likely end could bring them loss
Or leave them happier than before.

Nor law, nor duty bade me fight,
Nor public men, nor cheering crowds,
A lonely impulse of delight
Drove to this tumult in the clouds;

I balanced all, brought all to mind,
The years to come seemed waste of breath,
A waste of breath the years behind
In balance with this life, this death.

William B. Yeats
[...]

"oh let me hold your hand
please let your heart beat again"

29.10.04

#1
[isto é um regresso]


imagem roubada aqui

Há uma semana, nesta mesma cadeira, decidi suspender o metrografismos. Uma decisão motivada por uma conjuntura muito própria. Não foi uma desistencia, mas sim uma pausa para respirar fundo.
Fiz-me sempre do outro lado da barricada, a remar contra a maré, numa vontade obstinada por mais, muito mais. É aí que me situo, e não troco esse desconforto por nada. Por isso, hoje ensaio o regresso.
Ensaio um regresso porque sinto a falta deste espaço, porque muit@s me fizeram ver que ele não é importante só para mim. O Metrografismos é, também por isto, cada vez mais vosso... vocês sabem de quem estou a falar.
Não sei bem o que escrever, se tenho algo para dar, mas o impulso é mais forte do que a vontade de ficar fechado sobre mim mesmo.
Continuo a sentir-me com as mãos e as ideias presas, com vontade de gritar contra o vento, não sei o que dizer, mas digo. alguma coisa se arranjará.
Há que quebrar a janela de emergência em vez de ficar à espera.
A luta segue dentro de momentos, ou, como cantam os Ornatos, parto rumo à maravilha.

25.10.04

][isto não é um regresso...]

22.10.04

#1
[impasse]

I wish i could say everything there was to say in one word

Leonard Cohen, in The favorite game

Aqui estou, defronte das teclas, sem saber o que escrever.
Estou cansado de não ter nada para dizer. Cansado de ter coisas fechadas em mim e não saber como dize-las, como traze-las para a luz do dia.
Sinto-me bloqueado em mim, por um estar, por uma turbolência interior que me atormenta, que me corta a criatividade, que me tira o sono e me deixa sem vontade de comer.
Há uma ideia que me amadurece no pensamento. Não é de hoje nem de ontem, mas tem vindo a ganhar espaço nos últimos dias. É a de que, aqui e agora, nada tenho para dar.
Por isso, decidi suspender a publicação do metrografismos.
Até ver.

21.10.04

#1
[...]

— E eu?
— O quê?
— Achas que algum dia vou arranjar uma que me ature?
— Não, acho que não.

20.10.04

#1
[democracia]

Em Coimbra, a coisa continua confusa com os estudantes.
Neste momento, e pela primeira vez desde o 25 de Abril, a polícia de choque está a sitiar o polo dois da universidade, e distribuir pancada aos estudantes...
estamos bem.

19.10.04

#2
[leituras...]


#1
[eu cá...]

...dormia a sesta.
e não vinha desmentir logo a seguir.
Mas não me safo.

18.10.04

#3
[suspiros]

Olhar para a janela e perguntar quanto tempo falta para o regresso dos dias longos, das folhas novas, do calor...
Vontade de fugir.
#2
[surpresas]


Ontem, sem aviso prévio nem direito a contestar, alguém me levou à Cordoaria Nacional para ver a exposição «Ilustração Portuguesa 2004».
Organizada pela Bedeteca, a 6ª edição tem este ano como tema
"A Ilustração na Imprensa".
Adoro quando me fazem susrpesas!
#1
[encontros]

Na sexta feira, exortando aos crocodilos alguam boa disposição, fui ver Before Sunset, a sequela de Before Sunrise.
É um filme simples, quase banal, mas guarda em si algo que, como alguém dizia, nos faz desejar. Desejar um encontro inesperado, desejar um amor impossivel ou o impossivel do amor, desejar ser outro noutro lugar, viver a vida dos caminhos que se deixaram de lado... faz-nos desejar o risco, a vertigem, a crista da montanha (onde o vento bate dos dois lados).
É um filme que, a meu ver, evoca aquilo a que Agostinho da Silva chamou saudades do futuro, pondo em evidência que os encontros acontecem, que a vida é um jogo de possibilidades que se abrem a cada momento, pelo que é para ser jogada, mesmo que seja para perder.
Deixo-vos a crónica que Eduardo Prado Coelho escreve sobre Before Sunset, hoje, no público.

****


Alguém Duas Vezes
Eduardo Prado Coelho
Público, 18 de Outubro de 2004

Como é bom navegarmos no romantismo como quem toma o "bateau mouche" para percorrer o Sena e se propõe ser um turista da existência
É um filme onde se entra como quem desliza: tudo é previsível, nada deixa de nos surpreender, apenas porque o previsível acontece. Mas o previsível não é de modo algum uma debilidade do argumento. É uma espécie de metafísica, a metafísica envolvente e consoladora a que chamamos "romantismo". Como é bom navegarmos no romantismo como quem toma o "bateau mouche" para percorrer o Sena e se propõe ser um turista da existência! É exactamente assim que este filme faz: "Antes do anoitecer", obra de Richard Linklater, com Julie Delpy (que é o centro irradiante da obra) e Ethan Hawke.
Se o filme é encantadoramente previsível, repito, é porque vai ao encontro daquilo que é em nós a mais ingénua das convicções: o amor tem de acontecer. De certo modo, nesta deambulação por Paris, com cafés, jardins, barcos, traseiras de prédios, só acontece a iminência do acontecer: entre o medo e o pudor, as palavras da paixão terão de explodir. Como tudo é feito de uma elegância ardilosa, é ainda em termos de uma retórica do não-dito que o amor se enuncia: vais perder o avião, 'baby'; já sei. Todo o filme vive neste fio de um tempo de maturação dos sentimentos, sendo o tempo o verdadeiro protagonista, porque é ele que trabalha na transformação da situação.
Há ainda uma outra vertente que nos seduz: tudo acontece duas vezes, e, ao contrário do que quase todos pensam, a segunda não degrada a primeira, mas corrige a primeira. Embora um jogo de dissimulações e fintas verbais vá criando a leve coreografia das mentiras tão óbvias que são apenas a forma mais enternecida e inclinada de dizer a verdade. Tudo bem? Ah, sim, tudo bem. Quer dizer que falhaste a tua história amorosa, que não és feliz, que tendo escolhido acabaste por escolher o que não querias. E o filme fala, fala, fala, nunca se cala, tem um tempo a preencher, tem um não-dito a dizer, é um longo diálogo em tempo real, teria tudo para nos entediar, é o contrário de um filme de acção, e no entanto vai tecendo à nossa volta um fio de deslumbramento (ligado à beleza mítica de uma cidade, Paris, o amor nas ruas, o amor dos lugares, a cumplicidade dos cafés que não há e mais sítio algum).
O romanesco está na livraria mágica e mil vezes celebrada onde o reencontro se faz: "Shakespeare and Company". Continua nas ruelas de Saint-Michel, sobe pelos jardins, desce até ao rio, passa por debaixo das pontes, e dois seres avançam um para o outro no interior de si mesmos, criando a disponibilidade para amar. O filme consegue que lugares, objectos e palavras, formem um tecido passional discreto e oblíquo. Nesse plano a construção do espaço é extremamente bem conseguida e poderíamos dizer, citando o poeta, que o amor é a ocupação do espaço. De tal forma que um disco ou uma frase tornam-se metonímia de um breve encontro que lentamente se prepara para afrontar a prova mais difícil: o quotidiano.
Há um momento admirável: os dois sobem a escada do apartamento de Julie e o tempo de cada degrau é o tempo da própria imagem filmada: estabelece-se um silêncio, que é a palavra no esplendor tácito da sua rasura branca.

17.10.04

#1
[Ponderosa]

Era domingo, o primeiro, de tantos, passado em Inter Rail.
A manhã crescia e eu estava sentado no chão de uma praça em Antuérpia. Nessa noite morrera uma rapariga famosa, com nome de deusa, mas eu ainda não sabia de nada.
Uma orquestra dava o acorde. Fazia calor. Num talão do Multibanco, alinhei algumas palavras que me perseguiam desde Paris... palavras que falavam de um homem que, apesar das voltas do mundo, continuava a ser, na minha cabeça, apenas um homem. Sonhador e, por isso, destemido.
Guardei as palavras no bolso. Mais tarde dei-lhes forma e mais substrato. Continuavam a falar de um homem, de um tal Ernesto, uma sombra que me acompanhou, uma ideia que me acompanha...
Foi um texto que amadureceu e ganhou forma, e, por isso, quase me valeu uma tareia de uns PCs ortodoxos... porque contava a história de outra forma e se atrevia a olhar, mais do que para um mito intocável, para um homem, como tantos outros e tantas outras que conheço e conheci.
É um texto de que me orgulho.
Hoje, depois de uma ida ao cinema, lembrei-me do texto e do que me fez escreve-lo. Decidi postá-lo aqui. Mudei o nome que lhe dei na altura, mas as outras palavras, as que contam, estão lá todas.

GUEVARA

Trazes a boina inflamada pelo rubor da estrela
repleta de um ideal-neon
daquele que compra e vende almas com prazer desbarato.

Vives, ícone musical, dançando a tua memória,
mal liberta da arrogância do pó,
ao som de épicas canções revolucionárias
massivamente transaccionadas,
com os relógios que medem os nossos tempos
ou os isqueiros que acenderam o napalm num qualquer Vietname.

Amigos tens que, em públicos actos de fé desmedida,
prosseguem a tua beatificação
iniciada pelos realistas que nunca exigiram o impossível,
rumo a uma mítica banalidade que te transforma em mais um inofensivo
Marxista, Castrista, Estalinista ou Qualquer-Coisa-ista
em nome de um sonho que não é o teu.

E assim todos te admiram como o homem
que alimentou a fome romântica de um povo global
com travos de havano e atitudes imprevistas...
e há também aqueles que (por ilusão?)
partem de ti em busca da insubmissa força maestra,
serra de liberdade interior
onde o vítreo do teu olhar ainda ecoa puro
lembrando que só se é Homem
se se souber sê-lo.

André, 1997

15.10.04

#1
[exortação dos crocodilos]

A semanma da loucura a acabar, um cansaço extremo e o fim de semana à minha espera.
Depois de uma longa conversa com ela, pus-me às voltas com uma ideia, que se transformou numa questão complexa: o que ficará de nós próprios depois de uma tempestade?
e se lhe juntou outra, com direitos de autor: que farei eu quando tudo arde?
Vou ao cinema, esperando que a tela branca me ajude a dar passos no longo caminho das respostas.

14.10.04

#2
[...]

Tocáste-me no ombro e a marca ficou lá
#1
[em resumo, é isto...]

A Privatização da Saúde
AMÍLCAR CORREIA
Editorial do Público
14 de Outubro de 2004

O Estado vai avançar já no próximo ano com a empresarialização de mais 30 hospitais do sector público administrativo (existem já 31 unidades de gestão de natureza privada), que poderão ser geridos por uma "holding" a criar em Janeiro de 2005. Tem sido dito até aqui que a lógica empresarial da gestão dos hospitais aumenta a produtividade e a eficácia e que não colide com a equidade de acesso aos cuidados de saúde e com a universalidade da sua cobertura. Mas sobrevivem ainda os receios de que a gestão obedeça, por exemplo, à "selecção das patologias de acordo com critérios financeiros", como fez questão de sublinhar Jorge Sampaio, na sua última presidência dedicada às questões de saúde.
A empresarialização surgiu da necessidade de aumentar a eficiência da gestão hospitalar no Serviço Nacional de Saúde, assolado pelos problemas crónicos de sempre: falta de profissionais, listas de espera descomunais e desperdícios de vária ordem. Em suma, da ingovernabilidade do sistema actual. No entanto, transformar mais hospitais em sociedades anónimas de capitais públicos soa um pouco precipitado quando é o próprio Rui Nunes, que preside à Entidade Reguladora de Saúde, quem reconhece a necessidade de estudos de várias entidades que avaliem qualidades e defeitos do modelo dos hospitais SA. Que sentido faz ampliar a experiência a praticamente todos os hospitais públicos sem se conhecer de antemão os resultados de uma avaliação esclarecedora e independente aos méritos do modelo? Ou trata-se apenas de um estratagema para cumprir o défice público de três por cento, dado que o défice dos hospitais SA é incluído no Orçamento de Estado como se fosse uma despesa de investimento, como referia o ex-ministro Correia de Campos no PÚBLICO de ontem? A Unidade de Missão dos Hospitais SA tem feito um balanço positivo do exercício da gestão privada nos hospitais públicos, mas está ainda por demonstrar de que forma é que os hospitais SA poderão contribuir para o equilíbrio do sistema, quando os dados disponíveis dão conta de um crescimento de despesa de 10,2 por cento e um aumento das receitas de 4,7.
Por outro lado, não deixa de ser intrigante que Rui Nunes tenha admitido a privatização dos piores hospitais SA, poucos dias antes de o Grupo Mello ter dito precisamente o mesmo. A José de Mello Saúde já fez saber que está disponível para acelerar as reformas em curso e "salvar o sector da saúde", pelo que se mostra interessada em gerir os piores hospitais do SNS e em aumentar a quota de hospitais privados num espaço mais curto de tempo do que aquele que estava incialmente previsto. Era desejável que, neste caso, as segundas intenções não fossem as primeiras e que o que estivesse realmente em causa fosse a preocupação com a prestação de serviços de qualidade num sector onde o público não tem de ser necessariamente mau. A diabolização do público omite deliberadamente os casos de excelência em alguns hospitais, como o provaram alguns centros de responsabilidade integrada, cujo trabalho é sobejamente conhecido. Rui Nunes, depois das suas últimas declarações, dificilmente convencerá quem quer que seja de que a empresarialização não é sinónimo de privatização.

13.10.04

#3
[concertos]

Deviamos estar em 1981... o tipo que é hoje reitor da universaide de Lisboa, além de dar papa á sua Joana(e a todas as outras), andava com a sua barba à Fidel e o seu violão a cantar para os putos.

Recordo-me bem, deve ter sido o meu primeiro concerto. O seu mais famoso hit era o fungágá da Bicharada, cujo refrão se aplica perfeitamente ao espírito que, nos dias de hoje, baixou neste canto àbeira mar plantado.


É o fungágá, fungágá da bicharada

É o fungágá, fungágá da bicharada

la la la la la la la la ra la la


Vamos falar de animais e de como eles são
Do piriquito do gato e do cão
E outros mais também virão
Talvez uma girafa um macaco ou um leão

[refrão]

Vamos todos aprender como vive a bicharada
O que é um cardume e uma manada
Vamos ver não tarda nada
Quem é que afinal tem a voz bem afinada

[refrão]

Vamos tambem descobrir uns amigos bestiais
Bem diferentes dos habituais
E vamos rir até não poder mais
Com as palhaçadas dos amigos animais

Letra e Música de José Barata Moura, 1975
Roubado à Alex
#2
[lucidez]
Estamos sempre com um pé em cima da linha que nos separa da loucura.
Por vezes, o outro tem tendencia a levantar-se para avançar.
#1
[O metrografismos aplaude e subscreve]

Os Métodos e Os Avisos de Luís Delgado
Por LUCIANO ALVAREZ
Público, 13 de Outubro de 2004

"Um vendedor de antenas parabólicas, que se acha crítico de televisão, e da Imprensa em geral, passou aos insultos pessoais. Diz tudo do seu carácter e estatura mental. Trate-se, ECT [Eduardo Cintra Torres, cronista do PÚBLICO]. Interne-se, num hospital psiquiátrico."
A frase é de Luís Delgado (numa crónica no "Diário Digital"), fiel seguidor de Pedro Santana Lopes, ainda presidente da agência Lusa e já nomeado para presidente executivo da Lusomundo Media ("Diário de Notícias", "Jornal de Notícias", "24 horas", "Tal & Qual", TSF e mais um grupo de jornais da imprensa regional). Eis o que pensa e como age um homem que se afirma jornalista e que há anos tem pena livre em vários órgãos de comunicação social sobre outro homem que faz o mesmo. "Interne-se, num hospital psiquiátrico". Talvez a memória falhe a Delgado, mais coisas deste género faziam-se na ex-URSS.
Marcelo Rebelo de Sousa, não foi internado em qualquer hospital psiquiátrico, mas foi silenciado depois de criticado por outro fiel serventuário do poder santanista. Delgado é ainda mais ambicioso.
E que não restem dúvidas, Delgado não está só a criticar Eduardo Cintra Torres, está a deixar um claro aviso intimidatório às direcções e chefias dos órgãos de comunicação social a que preside.
Aqui, no PÚBLICO, fica Luís Delgado e os que lhe dão ordens desde já a saber que têm azar. Estejam ao serviço de Santana ou de outro qualquer poder.

12.10.04

#1
[7:51h]

Acordar com um beijo amigo (mesmo que enviado por sms), abre sempre uma perspectiva diferente sobre o dia que se enfrenta.

11.10.04

#4
[...]

Deixei-me ficar a trabalhar até mais tarde, fui vendo a sala a esvaziar, a noite a entrar pela janela, o sossego a instalar-se no espaço caótico de todos os dias.
Enquanto o país aguarda em suspenso pela a declaração de Santana (pura poesia, certamente), e o fax debita furiosamente as inferteis circulares, eu tenho os ouvidos sintonizados num cotonete musical, deixando-me embalar pelos sons.
Os dedos acariciam o teclado e transformam ideias em palavras, ferindo o branco do ecrã, transpondo para ali esta sensação que em mim se instala.
A voz soturna de Beth Gibons, os acordes melancólicos dos seus Portishead - canções antigas que me levam às coisas aprendidas, que vou elencando e dispondo no tabuleiro dos dias, como um jogo de xadrês, fazendo-me equacionar as certezas, os ângulos de leitura e os passos a dar.
Há sempre coisas que não queremos sobrevalorizar, palavras que nos custam dizer, momentos que, pelas mais diversas razões, preferiamos não recordar. Há coisas que não consigo calar, sossegar em mim, esquecer.
Tudo isto converge para este momento.
#2
[o sul a chamar por mim]


Vuelvo al sur

Vuelvo al Sur,
como se vuelve siempre al amor,
vuelvo a vos,
con mi deseo,
con mi temor.

Llevo el Sur,
como un destino del corazon,
soy del Sur,
como los aires del bandoneon.

Sueño el Sur,
inmensa luna, cielo al reves,
busco el Sur,
el tiempo abierto, y su despues.

Quiero al Sur,
su buena gente, su dignidad,
siento el Sur,
como tu cuerpo en la intimidad.

Te quiero Sur,Sur, te quiero
Sur...

Fernando E. Solanas

#2
[Estarei grávido??]

Estou com desejo de comer diospiros...
#1
[na crista da montanha]
Encontrei, no blog do Viagiattore, este Poema Editado, e logo o identifiquei com o que chamo andar na crista da montanha, esse lugar onde se vê mais e onde o vento bate dos dois lados.
espero que gostem.
Poema editado
Legendar a conversa dos pássaros ao amanhecer, esticar o arame do violino, acolher o elogio dos defeitos, prender em gaiolas os livros de leitura avoada, trocar mensalmente a terra do rosto, agradecer a quem te cumprimenta por engano, empregar as ervas como escolta das flores, desaparecer na visibilidade, interromper a sesta do vento, conhecer-te na medida em que me ignoro, repetir os erros para decorar os caminhos, afiar a faca na compra para que seja leal na despedida, levantar atrasado com a solidão ao lado, reverenciar o muro que nos permite imaginar uma vida diferente da nossa, escolher as melhores maçãs pelo assédio dos insetos, assobiar estrelas entre os telhados, partir os cabides ao arrumar as malas, avisar das falhas na calçada, seguir quem está perdido, ser a primeira roupa do teu dia, desafiar as cigarras desafinando mais alto, revezar com o pessegueiro a guarda da porta, buscar um confidente fora da consciência, barbear a insônia com a lâmina dos seios, abandonar teu corpo antes da luz depor o peso, morar no clarão exilado, curvar-se no violão como uma violeta cansada, compensar a forte dose da fala com os gestos, imitar a elegância de objetos esquecidos, deixar a música se inventar sozinha, segurar no braço da cerração para atravessar a rua, retribuir o aceno das sobrancelhas, presenciar da janela a palestra da chuva, espreguiçar a camisa dormida de espuma, eleger tristezas para concorrer com as tuas, engolir de volta as palavras que te agrediram, medir a altura do poço com uma moeda, entender que meus livros são parecidos comigo (demoram a fazer amigos), verificar o pulso da madeira, achar no pesadelo um quarto para dormir, arder como um musgo na soleira da porta, descer o fecho do vestido e vestir o quarto, combinar encontros e desencontrar-se consigo no meio do trajeto, desistir de compor o diário porque não existe segredo quando escrito, anotar na agenda as reuniões que não quero ir, apiedar-se da vocação fúnebre do guarda-chuva, falir na memória preservando a imaginação, acautelar-se das paredes velhas, o cimento armado, carregar o sobretudo como uma garrafa vazia, comemorar o que desconhecemos um do outro.


Novíssimo Testamento - Fabrício Carpinejar

10.10.04

#2
[procura-se]

procuro um frigorifico para a minha casa. quem tiver algum a mais, em bom estado, que me escreva para o e-mail.
agradecido
#1
[a casa]

na minha 4ª incursão à casa, já com chaves no bolso e contrato assinado, descobri que, das varandas, tenho uma vista brutal sobre a serra e o castelo dos mouros... nunca tinha olhado para aquele lado.
não sei se vou aguentar tanta beleza e emoção.

8.10.04

#1
[...]

Você acaricia o incontrolável
Em fronteiras vazias
nos entregamos ao
sol profundo do esquecimento

depois da estação
onde já não te vejo

suponho o teu olhar as estrelas

Gustavo Arruda

poeta Brasileiro que conheci ontem.

7.10.04

#2
[Dicionário Informal, 4ª entrada]

REGRA


Convenção a quebrar em caso de necessidade.
#1
[ah pois é...]

Os partidos da maioria agitam-se, como se de um ninho de lacraus furiosso se tratassem.
Mesmo os mais liberais e neo-conservadores da nossa praça lhes lançam metralha serrada... fica o exemplo de JMF que, no editorial do Público de hoje é contundente para com o (des)governo.

****

Ainda Mal Começou...
Publico, 07 de Outubro de 2004
José Manuel Fernandes


Os estragos provocados por este Governo ao fim
de pouco mais de três meses ultrapassam as piores previsões dos mais pessimistas
Apesar de não se conhecerem todos os detalhes das circunstâncias que rodearam a saída de Marcelo Rebelo de Sousa da TVI - e de provavelmente nunca se virem a conhecer -, a decisão do antigo líder do PSD, que implicou uma ruptura radical com um velho amigo a que o ligam laços de família, mostra que se ultrapassou um novo limite. E ultrapassou-se esse limite no momento em que na TVI, uma estação privada de televisão, se começou a perceber que os negócios que dependiam do Governo dificilmente iriam para a frente, se a estação mantivesse a assertividade crítica de alguma da sua informação e opinião. Isso não terá sucedido ontem, nem sequer depois das declarações de Rui Gomes da Silva: isso vem sucedendo há muito e mostra que persistem em Portugal dois males antigos que fazem com que sejamos uma democracia pouco liberal. Primeiro, porque as tentações de os governos controlarem a informação não desapareceram, antes recrudesceram com o actual Executivo, e o império da PT- criado sob o PS, alimentado e protegido pelo PSD - permite ter uma terrível arma de intervenção capaz de condicionar mesmo os grupos privados, na televisão e não só. Depois, porque em Portugal são raríssimos os empresários que não actuam em função das conveniências do Governo do momento, não só por dependerem do Estado, mas também por o Estado nunca ter liberalizado as regras da economia por forma a que tudo não dependa, em última análise, da mendigada rubrica de um ministro.
Chegámos agora a um dos momentos mais baixos deste círculo vicioso. De um lado, um governo acossado e fraco, desorientado e acéfalo, incapaz de resistir à tentação da manipulação e desesperado por não perceber que o mal não está em quem divulga as más notícias, mas em quem lhes dá origem: eles próprios. Do outro lado, elites que ou estão divorciadas da causa pública, ou estão concubinadas com os poderes - elites incapazes de perceberem aquilo que Jorge Sampaio recordou no seu discurso do 5 de Outubro: o fiasco trágico das elites políticas (mas também económicas) do Estado Novo e as consequências do fracasso da tentativa tardia de reforma durante o marcelismo. Essas elites sabiam que era necessário transitar para uma democracia pluralista e descolonizar, mas falharam quando chegou altura das reformas necessárias. Bloquearam, intrigaram e não conseguiram tirar o país do beco em que se encontrava.
Ora é essa situação em que muitos portugueses já se sentem hoje e alguns dos que se iludiram com a experiência marcelista há anos que sentem que estamos a caminhar de novo para um abismo.
Com uma agravante: o nível intelectual e cultural dessas elites, quer das que chegaram a pensar que era possível a transição gradual, quer nalguns casos das que eram genuinamente autoritárias, era infinitamente superior ao de muitos daqueles que desgraçadamente nos governam. É trágico - lancinante mesmo - ter de admiti-lo, mas depois de se assistir a uma demonstração de iliberalismo democrático como a dos últimos dias (que é a ponta do icebergue do mal-estar que se vive em muitas redacções) e de ninguém ter porventura dado a atenção devida a tudo o que disse terça-feira Jorge Sampaio, na actual crise o risco de ruptura e declínio é porventura bem maior do que a oportunidade de mudança e de progresso. Daí o receio: ainda não batemos no fundo.

6.10.04

#4
[prof Martelo]

Ao ser corrido da TVI, Marcelo Rebelo de Sousa provou na pele uma velha máxima: Roma não paga aos traidores.
#4
[é confrangedor...]

Assistir ao (des)equilibrio sem rede que a ministra da educação (??!!) faz na Assembleia da República, na tentativa de explicar o inexplicável: o agravar do caos na educação.

#3
[jobs]

O (des)governo de Portas e Santana, nomeou, em cada dia útil desde a sua tomada de posse, 13 boys ou girls.
Palavras para quê, tanta gente para tão pouca competência.
#2
[sede de mais]

Parece que estou em maré de sorte.
Depois de ontem ter arranjado a casa, hoje encontrei esta mensagem na minha caixa de correio:

Tenho o gosto de informar que, na sequência da nossa entrevista de Sábado p.p., passarei a contar com a sua participação na oficina de escrita narrativa, a partir de 7 de Outubro.
Saudações amigas do
Mário de Carvalho


#1
[insónia]
São poucas as coisas capazes de me tirar o sono.
Neste momento, quando a noite já vai longa, a lua meio recortada já cruou metade do seu percurso e o frio começa a dar o ar de sua graça, o que me chateia mesmo a sério, é não perceber o porquê desta insónia.

5.10.04

#2
[fumo branco]

Depois de uma maratona negocial intensa, um poderoso lobby pró primeira casa conseguiu ganhar espaço no meu pensamento. A decisão estava quase tomada, a queda da hipótese "2ªcasa" só veio apressar a escolha. Perdi uma casinha linda, ganhei a simpatia de uns "quase senhorios", arranjei um espaço que, não tendo o charme do outro, me estimula.
De hoje em diante, o Metrografista entra em processo de mudança. Daqui a um mês, quando estiverem no Museu de Arte Moderna, em Sintra, olhem para o prédio da frente: a janela que ostentar a bandeira com o arco iris da paz (como a da foto ao lado) é da casa onde será bem vind@ quem vier por bem.
Para @s amig@s que estão longe: não esqueço que os vossos sofás foram minha morada por este mundo fora, espero por tod@s com a mesma gentileza e disponibilidade que sempre têm tido para mim.
Estou CONTENTE, este é um dia que, definitivamente, me dá sorte.
#1
[are you talking about me?]

ESQUADROS

Eu ando pelo mundo prestando atenção
Em cores que eu não sei o nome
Cores de Almodóvar
Cores de Frida Kahlo, cores
Passeio pelo escuro
Eu presto muita atenção no que meu irmão ouve
E como uma segunda pele, um calo, uma casca
Uma cápsula protetora
Eu quero chegar antes
Pra sinalizar o estar de cada coisa
Filtrar seus graus
Eu ando pelo mundo divertindo gente
Chorando ao telefone
E vendo doer a fome dos meninos que têm fome
Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
(Quem é ela? Quem é ela?)
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto controle
Eu ando pelo mundo
E os automóveis correm para quê?
As crianças correm para onde
Transito entre dois lados, de um lado
Eu gosto de opostos
Expondo meu modo, me mostro
Eu canto para quem?
Eu ando pelo mundo e meus amigos, cadê?
Minha alegria meu cansaço?
Meu amor, cadê você?
Eu acordei
Não tem ninguém ao lado


Adriana Calcanhotto

4.10.04

#3
[votações]

O post sobre as minhas casas resultou numa verdadeira chuva de opiniões para o meu telemóvel.
Isto é lindo, do nada surge uma verdadeira sondagem via SMS... parece que toda a gente tem algo a dizer.
Já agora, a opção pela segunda casa vai na cabeça do pelotão, destacada (e na minha também...).
Obrigado a tod@s!

#2
[há um ano...]

Os verdadeiros viajantes são aqueles que partem por partir.

Baudelaire
#1
[decisões]

Depois de muito procurar, tenho entre mãos duas casas para alugar.
A primeira é espaçosa, luminosa.
A segunda é pequenina, tem menos luz.
A primeira é bem situada, numa artéria movimentada, com vista para o mar.
A segunda é bem situada, num lugar sossegado, com vista para o mar.
A primeira tem um espaço de fácil utilização.
A segunda exige soluções imagéticas, exige um saber fazer e um saber estar.
A primeira tem uma senhoria um bocado metediça.
A segunda um casal de senhorios velhotes e simpáticos.
A primeira é mais cara que a segunda.
A primeira é um estilo de vida mais direitinho, arrumadinho e tal.
A segunda é uma opção de vida bem mais ao meu estilo...

Nunca me esqueço daquela máxima que diz que é feliz quem pode fazer opções. Mas, uma vez que as grandes decisões me deixam sempre em palpos de aranha, mais uma vez verifico que ser feliz dá trabalho. :)

1.10.04

#2
[dialética]

Por vezes, o difícil é explicar que nariz de porco não é tomada.
#1
[Yo La Tengo]

Acordar ao amanhecer num lugar estranho, que, a custo, reconheci.
Ver as paredes rasgadas pelo sol nascente, laranja. Começar a pensar, mesmo sem oculos. Desejar ter a nikon à mão, para captar a imagem, numa longa exposição, com abertura minima.
E a memória dos Yo La Tengo a fazer de banda sonora.
Virar-me e voltar a adormecer. satisfeito.