11.10.04

#4
[...]

Deixei-me ficar a trabalhar até mais tarde, fui vendo a sala a esvaziar, a noite a entrar pela janela, o sossego a instalar-se no espaço caótico de todos os dias.
Enquanto o país aguarda em suspenso pela a declaração de Santana (pura poesia, certamente), e o fax debita furiosamente as inferteis circulares, eu tenho os ouvidos sintonizados num cotonete musical, deixando-me embalar pelos sons.
Os dedos acariciam o teclado e transformam ideias em palavras, ferindo o branco do ecrã, transpondo para ali esta sensação que em mim se instala.
A voz soturna de Beth Gibons, os acordes melancólicos dos seus Portishead - canções antigas que me levam às coisas aprendidas, que vou elencando e dispondo no tabuleiro dos dias, como um jogo de xadrês, fazendo-me equacionar as certezas, os ângulos de leitura e os passos a dar.
Há sempre coisas que não queremos sobrevalorizar, palavras que nos custam dizer, momentos que, pelas mais diversas razões, preferiamos não recordar. Há coisas que não consigo calar, sossegar em mim, esquecer.
Tudo isto converge para este momento.