Dois cães à porta lambiam os beiços e pingavam a calçada de
baba, coitados, que o cheiro a carne e a molho atazanava-lhes os corpos magros.
Olhavam a taberna tal e qual como os refugiados que aguardavam à porta da Polícia
de Estrangeiros a renovação dos vistos de estadia e os bilhetes nos navios para
Nova Iorque, que aquilo era tudo o mesmo olhar, o mesmo cansaço e ansiedade, a
mesma esperança no destino, o mesmo desatino e um amanhã igual a anteontem. Até
aquela espera do lado de fora, sempre do lado de fora, era a mesma, como se o
ausente deus dos homens e dos bichos fosse também o mesmo.
Sérgio Luís de Carvalho in "Uma Terra Prometida (contos sobre refugiados)"