1.12.14

#1 [Quando os homens se entenderem…]



Quando os homens se entenderem...
Foi com este verso, repetido dezenas de vezes, que Filipe Mukenga tentou, tal como Tom Jobim tentara, fazer avançar as cerimónias do 10 de Junho que, nessa quente noite de 9 de junho de 1993, estavam a arrancar em Sintra. Mas a fúria de milhares de pessoas, maior parte jovens suburbanos, não esmoreceu.
Para a história fica uma imagem de gente mal educada que não soube apreciar a mestria do mestre Jobim e de Filipe Mukenga – há até quem os recorde como "saloiada turba". Eu, que fiz parte desse grupo de saloios, sei que o que se passou nessa noite foi muito mais do que um desacato ou manifestação da famosa tacanhez de quem habita o arrabalde de Lisboa
 Esclareço desde: Jobim Mukenga não foram alvo da nossa ira mas sim vítimas da grande injustiça que nos levou aos assobios e a invasão do espaço. Mas afinal, o que motivou tal acto?
Comecemos por recordar que vivíamos os últimos anos do Cavaquismo, com a tensão social a agudizar e onde o bastão policial era regra – a repressão dos estudantes no outono seguinte ou o buzinão na ponde um ano depois foram apenas alguns episódios de uma história que vinha de longe.
Era um tempo de oferta cultural escassa no subúrbio (ainda mais do que hoje), que motivou a vinda massiva de jovens a Sintra para assistir ao anunciado concerto gratuito, nas escadarias do Palácio, de uma das bandas de culto da época, os Madredeus.
Chegados à Volta do Duche descobrimos o engano - a festa não seria popular mas elitista, reservada ao governo e seus convidados. E corria o boato que os Madredeus não viriam...
Barrados por portões e polícias, forçámos a entrada no Parque da Liberdade. Já no rinque, demos com um espectáculo balofo animado por jovenzitos enfarpelados com chapéus de palha "tipo Freitas", que em coro davam vivas ao país e às autoridades. Não gostámos, éramos os e as jovens de Sintra, sem cultura nem espaços para desporto, com escolas cheias e comboios atulhados... não admitíamos ser postos de lado.
A confirmação do cancelamento do concerto dos Madredeus foi a gota de água na nossa paciência. Depois foi o que se sabe.
Foi a única oportunidade que tive de ver e ouvir Jobim. Hoje tenho pena que não tenha acontecido. Mas não me arrependo, tivesse havido mais indignação como esta e Cavaco hoje não seria Presidente e talvez o país estivesse melhor.