Cavaco diz-se do povo quando
lhe convém e usa a democracia como meio, mas o que parece movê-lo são os interesses
dos mercados, dos banqueiros, dos negócios e da sua família política (a mesma que
trava uma violenta guerra com quem está no governo).
Sempre que ouço Cavaco a palrar ao povo “potuguês”, lembro-me
de dois momentos emblemáticos da campanha eleitoral de 2005, quando a direita
fez de tudo para lavar a cara ao seu homem.
Recordo-me, sempre com ternura, de uma comitiva acossada
pelo frio invernal trauteando uma das mais conhecidas cantigas de Zeca, aquela da
terra da fraternidade. Logo depois (a sequência costuma ser esta), vem-me à memória
uma entrevista onde Maria Cavaco revelava ser uma mulher de centro esquerda e
que, embora não tão radical, o seu Aníbal compartilharia do ponto de vista.
Estas duas memórias são absolutamente desconcertantes e contraditórias
com a fleuma discursiva de Cavaco. E por isso, sempre que me dou ao trabalho de
ouvir o seu “pogama”, sou assaltado por uma dúvida: será que o tal homem de
centro esquerda e do povo, que ainda reside em algum imaginário, é o mesmo Cavaco
que se diz político amador e que leva trinta e tal anos de currículo sempre a
puxar para o lado dos donos de Portugal?
Na verdade, o homem da Quinta da Coelha sempre deu sinais de
não gostar do povo. Nem de lidar muito bem com a democracia. Diz-se do povo quando
lhe convém e usa a democracia como meio, mas o que parece movê-lo são os interesses
dos mercados, dos banqueiros, dos negócios e da sua família política (a mesma que
trava uma violenta guerra com quem está no governo). Ontem tivemos nova prova de
que é assim. E de que, para o Presidente da República, isso do povo ser quem
mais ordena é poesia para dias de festa.