7.7.12

#1 [“ É só fazer as contas” avisa-nos D’Alema]

Em itália, como em Portugal, assiste-se à decadência do centro esquerda. Entre as principais medidas de corte apresentadas pelo governo aos sindicatos encontramos a redução de pessoal no sector público de 10% ao nível dos funcionários e 20% ao nível dos dirigentes.

Texto do jornalista italiano Salvatore Cannavò que traduzi para o Esquerda.net

“ É só fazer as contas” avisa-nos D’Alema
Salvatore Cannavò
Artigo5 publicado em Il Fatto Quotidiano a 4 de Julho de 2012.

Entre as principais medidas de corte apresentadas pelo governo aos sindicatos encontramos a redução de pessoal no sector público de 10% ao nível dos funcionários e 20% ao nível dos dirigentes.
Durante dois anos, de 1 de Janeiro de 2013 a 31 de Dezembro de 2014, o salário dos funcionários das empresas públicas não poderá ultrapassar o valor de 2011, ao mesmo tempo que se bloqueiam as admissões em 80% de 2012 a 2014, passando a 100% após este período.
Como se não bastasse, e após anos de cortes sucessivos, também se reduzem as transferências às autoridades locais em 700 milhões em 2012, valor que ascenderá a mil milhões em 2013. O orçamento da saúde será reduzido em três mil milhões. E, nesta densa malha de cortes, o governo ainda consegue arranjar 200 milhões adicionais para financiar as escolas privadas. Amputados, obviamente, da investigação e da universidade pública.
Poderíamos fazer ironia fácil recordando as medidas de Tremonti, Brunetta e Gelmini1. Também podemos fazer alguma análise política a partir dos sinais de resistência dentro dos partidos, dos maus humores do PD2, da fúria dos Sindicatos (irão mesmo fazer uma greve geral?3). Mas aquilo que vale a pena sublinhar é, de facto, a direção que o governo tomou, a clara determinação de Monti.
E pôr tudo isto em confronto com a frase “Monti enquadra-se perfeitamente num novo centro esquerda europeu. É uma personalidade liberal que, com a sua ação, pode mitigar positivamente as resistências estaticistas que ainda persistem entre os socialistas. A sua insistência no completar do mercado único é correta. Tem posições que parecem compatíveis com o nosso horizonte programático”. Disse-o Massimo D’Alema4 no sábado passado numa entrevista ao Corriere della Sera, por sinal muito discutida.
Das duas uma, ou D’Alema de política nada percebe ou então o “seu” horizonte programático é verdadeiramente desastroso. Suspeitamos que ambas as afirmações sejam verdadeiras.
Tradução de André Beja para esquerda.net


Notas do tradutor
1Ministros da economia, Administração Pública e Educação do último governo de Berlusconi, responsáveis por, ainda antes da febre austeritária motivada pela atual crise económica, terem conduzido uma política de feroz de ataque ao sector público e de corte nos direitos sociais, em benefício dos interesses privados.
2Partido Democrático, maior partido da oposição parlamentar, auto intitula-se de centro e é herdeiro das sucessivas transformações da linha social-democrata do antigo PCI. O apoio dado ao governo do tecnocrata Mario Monti e à sua política de austeridade tem gerado desconforto no interior do partido, nomeadamente nos sectores mais à esquerda.
3As maiores centrais sindicais têm protagonizado avanços e recuos na oposição à política do governo, com desmarcação de greves ou a saída abrupta de plataformas de convergência com organizações de menor dimensão.
4Primeiro Ministro entre 98 e 2000, período de grandes ataques no direito ao trabalho e em que Itália alinhou com a NATO nos bombardeamentos à Sérvia, motivos que levaram à retirada de apoio da Refundação Comunista ao seu governo.
Como Ministro dos Negócios estrangeiros, entre 2006 e 2008, D’Alema negociou o reforço do apoio italiano à ocupação do Afeganistão, motivo que levou ao afastamento do então deputado Salvatore Cannavó e do Senador Franco Turiglato da Refundação Comunista e à consequente perda de maioria do governo de Romano Prodi.
5 O título original do texto é “Spending Review”, avisa-nos D’Alema”, expressão que remete para um procedimento de planeamento plurianual e controle dos gastos públicos com origem em Inglaterra e que o governo de Monti implementou este ano, dando-lhe o mesmo nome, para determinar os cortes de despesa a realizar. A tradução literal para português da expressão criada por Cannavó não teria qualquer sentido, pelo que se opta por uma adaptação a uma famosa frase de António Guterres.