Acabar com a reforma após 40 anos de trabalho é criminoso. É preciso impedi-lo a todo o custo.
Liberais, se 40 anos vos parece pouco…
Salvatore Cannavò
Artigo publicado em Il Fatto Quotidiano, 2 de Dezembro de 2011
Salvatore Cannavò
Artigo publicado em Il Fatto Quotidiano, 2 de Dezembro de 2011
Para lá dos detalhes e dos balanços entre as suas componentes, está claro que a manovra finanziaria
[documento previsional integrante do Orçamento de Estado italiano], com
os mais recentes cortes no estado social, nas pensões, nos serviços
públicos, nos direitos fundamentais do trabalho tal como foram
concebidos ao longo dos últimos 40 anos, se enquadra num pensamento
único liberal que, apesar do falhanço demonstrado pela crise, continua a
ser a referência económica à escala internacional. À escala nacional,
constitui a marca política do governo Monti e dos seus bem-educados
ministros.
Há uma imagem que sintetiza bem a situação: nos jornais, na tv, ou na
opinião dos especialistas, geralmente professores universitários,
banqueiros e economistas, o fardo de Itália não se chama evasão fiscal.
Nem corrupção ou incapacidade das suas classes dirigentes,
redistribuição errada da riqueza, desperdício ou prevaricação. Não, o
fardo, aquele que está na origem da crise que se aproxima e do desastre
que nos bate à porta, tem o nome e o rosto daqueles trabalhadores que
passaram 40 ou mais anos a trabalhar honestamente, a pagar impostos,
respeitar as regras, desejando um futuro diferente para os seus filhos.
No vozear que se vem ouvindo, eles devem ser responsabilizados, são a
podridão que é preciso erradicar.
A Segurança Social revelou recentemente que, em 2010, o número de
pessoas que se reformou após 40 anos de descontos, foi de 116.013,
enquanto que 174.426 pessoas se reformaram depois de alcançarem o limite
de idade definido por lei. Bem! Encontrámos os responsáveis pela crise,
116 mil pessoas que irão desfrutar a vida à nossa conta, sugando os
recursos de todos aqueles que não declaram um Euro, têm o SUV em nome da
empresa e o barco em qualquer paraíso fiscal. Podemos estar tranquilos.
Acabar com a reforma após 40 anos de trabalho é criminoso. É preciso
impedi-lo a todo o custo. E para defender tal direito, é preciso ir para
as barricadas! Para lá da opinião sobre as pensões e reformas e a sua
correspondência com a fase atual do mercado de trabalho – aos professores e banqueiros deveria dizer-se “se 40 anos vos parece pouco, experimentem trabalhar vocês!
– o que é inaceitável é a inversão da ordem do discurso. Seria
compreensível que nestes dias se tivesse falado de como recuperar pelo
menos um décimo dos recursos retirados ao Estado pela a evasão fiscal,
atacar a corrupção, reformar a administração pública cortando no
desperdício. Invés disso, por detrás de sorrisos sóbrios e posturas
condizentes, por detrás da elegância dos gestos, que parecem dissolver
num instante e por magia a vulgaridade pedo-pornográfica do
Berlusconismo, por detrás de um sorriso afável esconde-se a lógica mais
velha do mundo.
E pior. Esconde-se a política mais falhada do mundo. O Capitalismo
mundial debate-se com uma crise de fundo desde a metade dos anos 70. No
início dos anos 80 aplicou receitas neoliberais procurando uma saída
para a crise dos lucros e da acumulação. Levantou-se por períodos breves
e à custa de sanguinários efeitos sociais: os planos de ajustamento
estrutural do FMI nos países do sul, o assalto ao estado social na
Europa, os planos de liberalização dos anos 90 e finalmente a
financiarização descontrolada da economia. Os efeitos desta política
estão à vista de todos, mas hoje, de forma negligente, é-nos proposto o
mesmo remédio que nos vem destruindo o organismo. A bolha da dívida está
para rebentar com um prejuízo de centenas de milhares de milhões e a
Itália acredita piamente que vai resolver o problema com alguns milhões
rapados aos pensionistas e reformados? É difícil de acreditar na
viabilidade destas medidas.
Mas o liberalismo é assim. Não admite estar enganado e mantém a direção
mesmo quando é claro que a rota levará o navio contra os rochedos.
Talvez porque quem vai ao leme está seguro de que as vítimas do embate
serão exatamente aqueles que trabalharam 40 anos. No momento do impacto
estarão demasiado cansados para se conseguirem salvar.
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Nota:
Dois dias depois da publicação deste texto, o Governo de Mario Monti
apresentou um pacote de austeridade que ataca fundo nos direitos de quem
trabalha, gerando uma reação irada das principais centrais sindicais
italianas, que já convocaram atos de protesto e luta, a começar já em
Dezembro.