[Os dias sem ti]
Ao primeiro embate, algum desconforto.
Naquele álbum de título ligeiramente leninista, o “punk vermelhusco” estava cada vez mais travestido e o som entrava por territórios inesperados. A voz do João era mais grave, apesar de manter a alegria e a energia que já lhe conhecia. Dava vida à poesia e atrevia-se cada vez mais pelo fado, o que era difícil de encaixar.
A pouco e pouco fui digerindo tudo aquilo e o disco (já gravado numa cassete que rodou até se cansar) ganhou estatuto de indispensável. Além de transpirar ironia e boa disposição, aquelas canções falavam de coisas que eu vivia e sentia. Ainda hoje é assim. Tenho o dobro da idade e já não estou apaixonado pela colega da carteira da frente, mas o amor continua a ser um bicho e eu, cada vez mais, uma noz.
A releitura do primeiro tomo dos Sitiados foi o passo seguinte, porque, se a vida de marinheiro era já um clássico, muito havia ainda para descobrir.
Passei a acompanhar, ao longo dos anos, o trabalho do João e de seus comparsas. Nunca o conheci pessoalmente, mas as nossas estradas foram-se cruzando, já que tínhamos amigos e referências em comum.
Lembrei-me de tudo isto ontem no CCB. Estive no Megafone 5, uma bela festa que os amigos e as amigas do João lhe fizeram. Foi uma noite de boa música e de muitas emoções. Gostei muito dos Dead Combo, achei os Gaiteiros de Lisboa um pouco abaixo do que já lhes vi e, apesar de lhes reconhecer o virtuosismo, continuo sem me encontrar com os Oquestrada.
No princípio do espectáculo, o Carlos Guerreiro tratou de desmentir que “os dias sem ti são dias a mais”, essa frase que nos ecoa no íntimo desde Janeiro. Dizia o gaiteiro que estávamos ali para uma festa e não para uma homenagem. Era assim que o João gostava e, de facto, por mais dura que seja a realidade, não há dias a mais.
A fechar a noite, A Naifa. A Sandra ocupou o lugar do seu companheiro de sempre ao baixo e tudo rolou, com direito a confissões sobre o trabalho criativo e a subida ao palco dos pais do João, para um discurso emocionado (e emocionante).
Foi uma bela noite.