1.2.06

#3 [Catalunia llure]

Uma "naçom"
Joaquim Fidalgo
in Público, 1 de Fevereiro de 2006

Vai uma sarrabulhada das antigas aqui ao lado, entre os nossos vizinhos espanhóis, só porque uns quantos deles, os catalães, resolveram proclamar alto e bom som que "a Catalunha é uma nação"! Eles que até têm uma comunidade autónoma, eles que até têm uma língua própria, eles que até têm um governo, uma televisão regional de categoria, uma capital fantástica como Barcelona...
Foi o bom e o bonito quando, por esmagadora maioria de votos no Parlamento autonómico, os deputados catalães decidiram inscrever no seu novo Estatuto que "a Catalunha é uma nação"! O poder socialista em Madrid lá tentou pôr água na fervura e encontrar soluções de compromisso, sem grandes dramas. Mas a oposição conservadora chamou um figo ao novo projecto estatutário e vá de apelar à "nação espanhola" para cerrar fileiras contra os intentos supostamente separatistas da Catalunha. Só que a coisa não se ficou pelos debates políticos: também a tropa acordou nos quartéis e se mostrou disposta a invadir (!) Barcelona para repor a ordem e a unidade nacionais. Um altíssimo responsável militar disse-o sem floreados: a proclamação de que "a Catalunha é uma nação" atenta, em seu douto juízo, contra a Constituição espanhola e, assim, as forças armadas bater-se-ão tanto quanto for necessário para a defender. A sério, com armas e tudo! Aquele célebre tenente golpista Tejero Molina, que há umas décadas puxou de pistola para ameaçar os deputados no interior do Parlamento espanhol, saltou da sua letargia e disse que também alinhava. Mas, como por lá ainda há lei e governo, e como é às instituições democráticas que cabe defender a Constituição, o dito responsável militar foi de imediato confinado a prisão domiciliária e exonerado de funções. Tinha-se esquecido do tempo em que vivemos.
Cá por mim, confesso que fiquei espantado com o sururu levantado por tão banal episódio. Há anos e anos que por cá se grita volta e meia que "o Porto é uma nação" (ou, em rigor, "uma naçom", que também por aqui se fala língua própria!...) e nem por isso caiu, sequer tremeu, Carmo ou Trindade. Mesmo a nossa tropa nunca esboçou um gesto que fosse para calar esse genuíno grito nortenho - o que prova que a normalidade democrática regressou solidamente a quartéis, e já não era sem tempo, como se atesta pelo mau exemplo dos nossos vizinhos (vizinhos e não "hermanos"; quando muito primos afastados, dada alguma história comum, mas que convém não exagerar ou ainda vamos todos na tal jangada de pedra...).
Quero crer que esta razoável tolerância nacional pelo orgulhoso grito nortenho "o Porto é uma naçom" se deve, na verdade, a um tolerante respeito democrático e não a uma qualquer sobranceira desvalorização do mesmo - que ocorreria se ele não fosse levado a sério. Comparado com a Catalunha, o Porto realmente não é "uma naçom" - parece mais uma "nacinha"... Pensando bem, será que Lisboa, quando ouve proclamar que "o Porto é uma naçom", em vez de sentir medo ou ofensa, só esboça um condescendente sorriso?... E, se for, por que será?...