28.10.15

#1[anatomia dos mártires]

 

João Tordo aventurou-se a ficcionar sobre uma história que se tornou mito, arriscando-se, como a personagem do seu livro, a ser mal compreendido e ostracizado por quem se agarrou à memória de Catarina Eufémia como uma bandeira ou por aqueles que, 60 anos depois, ainda se dedicam a branquear a história do fascismo português e da repressão que os alentejanos e as alentejanas sofreram na pele. 
Pese a incerteza sobe a verdadeira história de Catarina - o episódio está pouco documentado, tendo sobrevivido graças à tradição oral, em versões que variam entre a heróica militante do PCP assassinada pela sua condição e a vítima de uma bala acidental - Tordo consegue traçar um bom retrato de alguém que, em busca de comida para os filhos, ousou levantar-se do chão. Ao mesmo tempo, tira a medida a outros e outras que, voluntária ou involuntariamente, alimentam e são mártires da crise que, nestes tempos canalhas, nos calhou.