O risco de cisão do Movimento Cinco Estrelas de Beppe Grillo em várias componentes é cada vez maior e alguns dos eleitos/as já abandonaram o grupo parlamentar, engrossando o grupo misto dos independentes.
Texto publicado hoje no Esquerda.net
Grilos de Papel
André Beja, 13 de Junho de 2013
As últimas legislativas em Itália confirmaram várias tendências: o desaparecimento da esquerda radical, a resistência de Berlusconi, a imparável atracção do centro esquerda para a direita e uma escalada eleitoral do Movimento 5 Estrelas (M5S), sigla mais votada para o parlamento, tendo ficado em segundo na corrida ao Senado.
Texto publicado hoje no Esquerda.net
Grilos de Papel
André Beja, 13 de Junho de 2013
As últimas legislativas em Itália confirmaram várias tendências: o desaparecimento da esquerda radical, a resistência de Berlusconi, a imparável atracção do centro esquerda para a direita e uma escalada eleitoral do Movimento 5 Estrelas (M5S), sigla mais votada para o parlamento, tendo ficado em segundo na corrida ao Senado.
Não é fácil explicar estes resultados. Com uma agenda orientada para a criação de uma “democracia directa” baseada na internet, questões ambientais e o decrescimento económico, o M5S conseguiu uma votação expressiva da classe trabalhadora e de camadas jovens normalmente alheadas da política, um fenómeno visto como um grito de “vão se lixar!” e de revolta contra o “partidarismo” e a “casta”.
O descredito que a política italiana enfrenta – para o qual contribuiu, num passado recente, esquerda radical -, uma lista de caras desconhecidas escolhidas na rede (muitas delas só se encontraram quando se sentaram no parlamento) e a habilidade comunicacional de Grillo, portador de um discurso eivado de populismo contra o sistema e os políticos, ajudaram ao sucesso.
Não faltou por aí quem apontasse o exemplo de transparência, de radicalismo, de prática democrática e de coragem do M5S. Mas o tempo tratou mais uma vez de mostrar que quem fala do que não sabe e se cola à primeira imagem “anti sistema” que lhe surge, corre o risco de ficar mal na foto.
Na verdade, o M5S é uma marca registada, propriedade do comediante Beppe Grillo e de Gianroberto Casaleggio, um guru da Internet que será o mentor da ideia. As suas regras estão no “Estatuto”, documento sagrado escrito pelos donos, e as decisões, quando submetidas a escrutínio, são ditadas por votações online onde a discussão é limitada e poucos têm de dar a cara para assumir as decisões do colectivo.
O crescimento e a chegada de novos actores ao palco do Movimento, veio acentuar algumas tensões e contradições já notadas na sua curta experiência autárquica. O verniz estalou quando a consciência de alguns deputados os levou a viabilizar a única opção decente ao candidato corrupto de Berlusconi para a presidência do parlamento. Grillo expressou publicamente a sua fúria contra os traidores, pois advogava que dava igual eleger um corrupto de direita ou alguém que, oriundo do centro esquerda, não está sob suspeita.
E os problemas não ficaram por aqui. Nas últimas semanas, surgiram vários os conflitos em praça pública, em torno de fundos, divergências e presença sem autorização de eleitos na comunicação social, que acabam invariavelmente com Grillo a abrir a porta de saída e a destratar publicamente o outro lado da contenda. O risco de cisão do Movimento em várias componentes é cada vez maior e alguns dos eleitos/as já abandonaram o grupo parlamentar, engrossando o grupo misto dos independentes.
A democrática interna e a forma de gestão das tensões que Grillo tem posto em prática nos últimos meses assemelham-se àquela história do miúdo que impõe a sua lei nos jogos de futebol com o argumento de que são donos da bola. Mas a democracia de alta intensidade e a luta social por um outro mundo possível, contra a exploração e precarização da vida de todos os dias, não se podem limitar a ser um conflito de egos nem alimentar-se dos pregões contra a política que a moda e o populismo ditam.
É preciso ter programa e clareza e na proposta, querer ouvir e ter abertura para mudar e ajustar o caminho saber evitar o isolamento e as armadilhas que a desigualdade de meios e os donos da comunicação tecem. E nunca esquecer a convicção e a necessidade do empenho individual e colectivo e da imaginação. Estes parecem ser alguns dos desafios que Grillo e o seu M5S enfrentam, mas são também os trabalhos que se põem à esquerda, e não só em Itália.