Quanto a mim, e não me perguntem onde fui buscar esta ideia,
há um trio de escritores que ombreiam na sagacidade e na argúcia dos seus
policiais: Daniel Pennac, Andrea Camilleri e Manuel Vázquez Montalbán.
Talvez esteja a comparar o incomparável, a pôr no mesmo
prato da balança diferentes frutos, a ser ingénuo na forma como deixo tantos
outros (e outras) de lado. Mas estes três, por tantas razões, constituem como
que um mito pessoal, um tridente que me espicaça a imaginação.
O mais curioso de tudo é que, se dos dois primeiros conheço
bem a obra, só agora cheguei a este catalão de que já era devoto. E, depois de
ler o Assassinato no Comité Central,
o encanto persiste.
Numa Espanha a ressacar do fascismo e a ensaiar o regime
democrático que se lhe seguiu, Pepe Carvalho, detective criado por Montalbán, é
contratado para ir a Madrid resolver o mistério do assassínio de Fernando Garrido,
Secretário-Geral (para os fins literários desta obra) do PCE, ocorrido em plena reunião do comité central.
Conhecedor dos meandros do partido onde a hipotética trama se
desenrola, Montalbán oferece-nos ainda, pela leitura quase niilista do ex-comunista,
ex agente da CIA e ex-leitor Carvalho, um retrato quase psicanalítico de uma
organização política de massas que, apesar das diferenças e dos anos de distância,
se assemelha a outras que já vi… a dimensão humana e quase mística, o empenho dos
e das camaradas em cada momento da sua vida, os desejos e as fraquezas, as interrogações,
o sentido leninista do dever e da lealdade, o cinismo e os oportunismos, a tensão
e a incompreensão tão típica do que se faz com grande paixão.
Mais ainda, e este é o argumento definitivo que, quanto a
mim, faz do Assassinato um livro a
não perder, oferece-nos uma súmula de algumas das previsões e dos anseios sobre
a evolução das coisas e das mentalidades num século que, 20 anos antes da data,
já olhava para o seu fim, revelando algumas esperanças que, sabemos hoje, se
perderam, e uma consciência profunda de erros fatais para o movimento comunista
em particular e para a Esquerda de uma forma geral.
Santiago Carrillo, o Secretário-Geral do PCE (the real one) no tempo que o livro reporta, diz que sentiu a obra como uma punhalada que lhe era dirigida, não a tendo terminado.Vícios da ortodoxia ou, talvez, sinais de uma heterodoxia envergonhada que viria a desaguar no mar calmo da social democracia.