24.3.12

#1 [como está a rambla hoje?]


Quanto a mim, e não me perguntem onde fui buscar esta ideia, há um trio de escritores que ombreiam na sagacidade e na argúcia dos seus policiais: Daniel Pennac, Andrea Camilleri e Manuel Vázquez Montalbán.
Talvez esteja a comparar o incomparável, a pôr no mesmo prato da balança diferentes frutos, a ser ingénuo na forma como deixo tantos outros (e outras) de lado. Mas estes três, por tantas razões, constituem como que um mito pessoal, um tridente que me espicaça a imaginação.
O mais curioso de tudo é que, se dos dois primeiros conheço bem a obra, só agora cheguei a este catalão de que já era devoto. E, depois de ler o Assassinato no Comité Central, o encanto persiste.  
Numa Espanha a ressacar do fascismo e a ensaiar o regime democrático que se lhe seguiu, Pepe Carvalho, detective criado por Montalbán, é contratado para ir a Madrid resolver o mistério do assassínio de Fernando Garrido, Secretário-Geral (para os fins literários desta obra) do PCE, ocorrido em plena reunião do comité central.
Apesar de contrariado com a saída da sua cidade natal, como está hoje a rambla pergunta sempre ao seu assistente pelo telefone, Carvalho ruma à capital e conduz-nos por um roteiro gastronómico madrileno, entrecortado com memórias da guerra civil e dos anos de chumbo, num mundo de dois blocos que se enfrentam em todos os tabuleiros.
Conhecedor dos meandros do partido onde a hipotética trama se desenrola, Montalbán oferece-nos ainda, pela leitura quase niilista do ex-comunista, ex agente da CIA e ex-leitor Carvalho, um retrato quase psicanalítico de uma organização política de massas que, apesar das diferenças e dos anos de distância, se assemelha a outras que já vi… a dimensão humana e quase mística, o empenho dos e das camaradas em cada momento da sua vida, os desejos e as fraquezas, as interrogações, o sentido leninista do dever e da lealdade, o cinismo e os oportunismos, a tensão e a incompreensão tão típica do que se faz com grande paixão.
Mais ainda, e este é o argumento definitivo que, quanto a mim, faz do Assassinato um livro a não perder, oferece-nos uma súmula de algumas das previsões e dos anseios sobre a evolução das coisas e das mentalidades num século que, 20 anos antes da data, já olhava para o seu fim, revelando algumas esperanças que, sabemos hoje, se perderam, e uma consciência profunda de erros fatais para o movimento comunista em particular e para a Esquerda de uma forma geral.
Santiago Carrillo, o Secretário-Geral do PCE (the real one) no tempo que o livro reporta, diz que sentiu a obra como uma punhalada que lhe era dirigida, não a tendo terminado.Vícios da ortodoxia ou, talvez, sinais de uma heterodoxia envergonhada que viria a desaguar no mar calmo da social democracia.