5.2.12

#1 [monótono, muito monótono]

A 1 de Fevereiro, numa entrevista televisiva, o primeiro ministro italiano Mario Monti afirmou que um posto de trabalho fixo é coisa que já não existe, acrescentando num tom que sugeria humor, que isso é até monótono.

Texto do jornalista italiano Salvatore Cannavò que traduzi para o Esquerda.net
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Monótono, muito monótono 
Salvatore Cannavò
"Monótono, muito monótono. Não era para mim. A minha mãe não queria acreditar, o meu pai não chegou ao tempo de ver quanta tristeza e tédio que se acumulavam dentro de mim. Aquele lugar efetivo... todas as manhãs os mesmos horários, o mesmo escritório, as mesmas faces, o mesmo palacete, o mesmo, triste, retorno a casa. E depois, vejam só, todos os meses era pago pontualmente, descontavam-me as normais contribuições, trabalhava numa companhia à frente de 15 empregados e à época, se me me tivessem despedido sem justa causa, teriam sido obrigados a reintegrar-me. Tinha subsídio de doença, podia tirar licença, tinha direito a saborear do décimo terceiro e até do décimo quarto mês. E, com efeito, naqueles dez anos de trabalho consegui poupar qualquer coisa que, ainda agora, me dá alguma segurança para o futuro... Mas, afastemos a nostalgia, não nos deixemos prender pela ternura. Aquele trabalho era um tédio as férias pagas eram, de facto boas, mas depois era preciso regressar. E assim disse basta! Basta daquele carrossel sempre igual, aquele imobilismo, aqui quer-se movimento - disse para mim mesmo - dinâmica, ritmo. E então despedi-me e comecei a mudar de trabalho, porque mudar de trabalho é muito divertido. Tinha quarenta anos e uma formação discreta. Apresentei-me noutros escritórios, noutras companhias, e fui recebido. E quando tomavam, conhecimento das minhas razões sorriram-me e abriram ainda mais a porta: "A sério? Você é um daqueles que renunciou ao lugar efetivo porque é entediante? Bravo, parabéns pela coragem, você sim é quem indica um futuro diferente para este país, houvesse mais gente assim". Bem, bravo, bis. E Assim, de repente abriu-se à minha frente o brilhante mundo do trabalho flexível e da vida agitada. E que agitação!"
Tinha um contrato de Colaboração Coordenada e Continuada, um co.co.co1 Só o nome já parecia uma dança sul americana. De manhã levantava-me em horários sempre diferentes porque a cada dia tinha um ritmo diferente a respeitar. " Amanhã podes vir mais cedo porque é preciso trabalhar no lançamento do produto novo?". Certo. "Amanhã podes vir um pouco mais tarde que durante a manhã temos uma reunião do conselho de administração e não podemos fazer nada?". Muito bem. Comecei a ter problemas com a hora de acordar, e por vezes não me recordava se me deveria levantar mais cedo ou se podia ficar um pouco mais na cama. Para não me enganar, comecei sempre à mesma hora, que até faz bem.
Foi então que fui confrontado com a solicitação mais "divertida": "Escuta, parece-me que aquele produto foi adiado e estamos com problemas na distribuição, nos próximos dois meses não iremos conseguir cumprir o nosso compromisso. Se não te importares, suspendemos a colaboração durante este período e depois voltamos a retomá-la, ok?" Como dizer que não? Mais do que um pedido, aquilo parecia uma comunicação. A não ser que, naqueles dois meses em que andaria à procura de uma solução alternativa à erosão das minhas poupanças, ou seja a procurar uma ocupação temporária para preencher o buraco, me chamassem para dizer que precisavam de mim por uma semana. "Estás nessa, certo?". Certo que sim, que faço eu se renunciar a esta colaboração? No fundo, é um trabalho importante, não tenho horários, tenho muita mobilidade, venço o tédio. E assim a ocupação temporária, que entretanto encontrei, mantive-a. Regresso ao escritório por uma semana, trabalho dez horas por semana - porque há um pico e o trabalho é demasiado - e depois regresso a casa. Não há contactos durante um mês e meio. No entanto dou-me conta que estou menos a casa, regresso sempre bastante tarde. Depois de dois anos deste trabalho noto que ganhei menos que antes e descobri que os impostos que me são devolvidos são menos 10% do que quando tinha um contrato estável. Não tenho subsídio de férias nem de doença. E não tenho direito a subsídio de desemprego. Tenho quarenta e dois anos e faltam-me vinte cinco para a reforma. Na realidade não estou seguro de vir a ter uma pensão de reforma. Mas deixa estar, divirto-me, não me entedio. Tento manter-me à tona."
Não sei se apanharam a ideia. Este é o testemunho de um amigo. O lugar efetivo já não o tem e percebeu que não voltará a tê-lo. Se pudesse, confessou-me, voltava atrás. Mas a estrada de retorno está barrada. E depois explica-me uma coisa: "quando nos dizem que um lugar efetivo é um tédio e que é necessário poder mudar, têm razão. Mas pensam-no sempre para uma realidade que se parece com a dos filmes americanos, uma mobilidade que na verdade não existe. A flexibilidade laboral não é aquilo que nos prometem, exceto para aqueles super consultores das companhias ou para quadros de altíssimo nível".
Mario Monti deveria sabê-lo, e sabê-lo-a muito bem caso não pense que a realidade é só aquela que vê entre Milão e Bruxelas, entre a Reitoria de uma universidade e o espaço iluminado de um gabinete europeu. Sim, Mario Monti deveria saber isso, por mais que o seu governo de técnicos dê frequentemente a impressão de se relacionar com uma realidade, técnica, que aparece mais nas suas folhas e diagramas do que na vida real. Mas depois vem-me à mente uma outra coisa. Quando andava na universidade, nos anos 80, um dirigente do Partido Socialista, creio que Gianni de Michellis2, disse aos jovens que o seu futuro deveria basear-se num princípio muito simples e numa palavra de ordem muito clara: "desenrasquem-se!". Mario Monti não faz mais que voltar a propor tal coisa.

Artigo publicado em 2 de fevereiro de 2012 em Il Fatto Quotidiano
Tradução de André Beja para esquerda.net

 

1 co.co.co é um das mais de 40 fórmulas de contratação atípica inscritas na atual lei laboral italiana, resultado de uma desregulação progressiva perpetrada desde 1997 pelos governos de Berlusconi e de Romano Prodi.


2 Gianni De Michelis - Foi dirigente e governante do Partido Socialista Italiano. Com a implosão deste partido durante os anos 90, devido a um escândalo de corrupção que também arrasou a Democracia Cristã (os dois grandes partidos que governaram Itália entre 1945 e a chegada de Berlusconi ao poder em 1994) lançou De Michellis numa Diáspora política que o levou, em 2009, ao staff de um dos ministros do governo de Berlusconi.