11.6.11

#1

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Um dia olhei-o fundo nos olhos. Estendi-lhe o livro e, tremendo, declarei: compañero.

Algo se quebrou ali dentro, alterando a modorrenta rotina dos autógrafos. E, se não chegasse o brilho que lhe cresceu no olhar, o tremor com que agarrou o volume ou a voz sussurrante com que me falou, esta inesperada turbulência confirmou-se na posterior comparação da minha dedicatória com as de quem me acompanhava nessa peregrinação: foi a única que saiu da pauta.

Sepúlveda ensinou-me muito. A paixão pela patagónica imensidão do sul nasceu-me das suas mãos. O humor desconcertante de quem sofre e ainda se ri, a dignidade dos vencidos e das vencidas, a urgência de um amor que pode durar um fósforo ou uma vida. O vício das viagens. A babélica relação que, num qualquer ponto do planeta, podemos estabelecer com a mais inesperada pessoa: três palavras cruzadas, dois silêncios, um copo tocado, petiscos diversos, o prazer da risada ou a emoção de um jogo de bola. Ainda ensina.

Não resisto ao estilo mordaz, inverosímil. Às frases curtas, cheias de poesia, de filosofia, de despretensão. Às narrativas oblíquas, em volumes pequenos e sucintos, cheios de mundos e de fins de mundo, de cidades e selvas, de periferias da humanidade. Ao desvendar dos fantasmas que carregamos e aos diálogos com companheiros que estão do outro lado do espelho.

E depois há também as referências literárias, gastronómicas, geográficas ou políticas. E a estúpida sensação que um outro mundo não só é possível como existe, debaixo da aparência de normalidade que este transporta.

Pensei em tudo isto hoje, enquanto relia, de um tiro, o Diário de Um Killler Sentimental, procurando uma história de amor que, afinal, não estava ali. A certa altura, quase sem me aperceber, puxei da habitual prece: Obrigado compañero, vale sempre a pena voltar aqui.