12.4.11

#3

[a reler]

"Voltou então a sentar-se. Mas o meu advogado, a paciência esgotada, gritou levantando os braços, de tal forma que as mangas, caindo para trás, descobriram as pregas de uma camisa engomada: «Enfim, estão a acusá-lo de ter assassinado um homem ou de lhe ter morrido a mãe?». O público riu-se. Mas o procurador levantou-se outra vez, ajustou a toga e declarou que era preciso ter a ingenuidade do ilustre defensor, para não sentir que entre as duas ordens de factos havia uma relação profunda, patética, essencial. «Sim – exclamou ele com força - acuso este homem de ter assistido ao enterro da mãe com um coração de criminoso.» Esta declaração parece ter provocado um efeito considerável sobre o júri e sobre o público. O meu advogado encolheu os ombros e limpou o suor que lhe cobria a testa, Mas ele próprio parecia abalado e compreendi, nesta altura, que as coisas não iam bem para mim."

Albert Camus,

O Estrangeiro