#2
[pois é... ]
O mito cavaquista, enquanto fenómeno popular, é umas das coisas mais bem-sucedidas que o Portugal democrático produziu - como Salazar foi a coisa mais bem-sucedida do Portugal da ditadura.
Já agora, leiam também este do Carlos Carujo
Em Cavaco já não existe propriamente o elogio da "pobreza" salazarista, mas permanece a insistência propagada pelo próprio na sua "seriedade pessoal", um mantra contínuo desde o dia 1 da sua carreira de político profissional (actividade que rejeita assumir, como, de resto, o outro fazia, não porque isso seja em si verdadeiro, mas porque continua a ser extremamente conveniente para "subir na vida" no quadro do miserabilismo democrático nacional).
Cavaco Silva conhece a mais-valia desse património político que conquistou "a pulso" - a do "homem sério". E utiliza-a despudoradamente: primeiro, recusando esclarecimentos cabais sobre actividades da sua vida privada (venda de acções não cotadas em bolsa) impossíveis de recusar se não fôssemos infelizmente um arremedo de democracia, às vezes patética, num país que funciona com os rituais de uma corte ridícula com três ou quatro príncipes.
No entanto, embora todos soubéssemos que "o homem sério" não tinha nem ouvidos nem olhos (o enriquecimento súbito daqueles que o rodeavam durante os anos gloriosos do cavaquismo nunca o perturbou, que se saiba), o património do "sério n.o 1 do reino" manteve-se e raras vezes foi questionado, mesmo pelos adversários. Como se houvesse, de facto, políticos de primeira e de segunda: o "rei", ungido por Deus, e a plebe.
Repare-se que Cavaco Silva não deu resposta nenhuma desde o famoso Novembro de 2008, em que declarou - por comunicado da presidência, depois de os serviços de Belém terem sido insistentemente questionados - "nunca ter comprado nem vendido nada ao BPN". Ora, uma vez que Cavaco Silva e a filha compraram e venderam acções da Sociedade Lusa de Negócios, detentora do capital do Banco Português de Negócios, ao desmentir a existência de qualquer ligação ao BPN o Presidente tornou o caso uma anedota monstruosa.
O negócio foi feito dentro do chamado "universo BPN", por sugestão de alguém (Oliveira Costa? Dias Loureiro?) que o Presidente sempre se recusou a explicitar. A relação de Cavaco Silva com os envolvidos do caso BPN, pessoal e política, não faz obviamente do Presidente um "cúmplice" do BPN caso de polícia, mas obriga-o a explicações essenciais em sociedades democráticas, que Cavaco sempre recusou dar, refugiando-se nas patéticas autoproclamações de que para se ser "mais sério" do que ele seria "preciso nascer duas vezes".
Cavaco Silva toma, e sempre tomou, os portugueses por parvos. De certa maneira tem razão: o seu sucesso eleitoral prova que a sua estratégia costuma funcionar - e nisso é mimética da de José Sócrates, nos sucessivos casos que vieram a público.
A gigantesca vitimização agora desencadeada pela campanha cavaquista contra Manuel Alegre, onde não faltam as acusações de "campanha suja", de violação "do mais elementar dever de decência democrática", e incluindo de "desonestidade", apelando ao "repúdio" dos "portugueses", podia ter sido assinada por qualquer "spin doctor" de Sócrates.
Sim, somos todos parvos. É provável que sim. Perante um político em transe de vitimização aderimos como a um íman, desejosos de aprovação "divina". Temos o que merecemos.
Redactora principal
Escreve à quinta-feira
[pois é... ]
E se o professor Cavaco Silva pudesse nascer duas vezes?
Ana Sá Lopes, I, 6 de Janeiro de 2011O mito cavaquista, enquanto fenómeno popular, é umas das coisas mais bem-sucedidas que o Portugal democrático produziu - como Salazar foi a coisa mais bem-sucedida do Portugal da ditadura.
Já agora, leiam também este do Carlos Carujo
Em Cavaco já não existe propriamente o elogio da "pobreza" salazarista, mas permanece a insistência propagada pelo próprio na sua "seriedade pessoal", um mantra contínuo desde o dia 1 da sua carreira de político profissional (actividade que rejeita assumir, como, de resto, o outro fazia, não porque isso seja em si verdadeiro, mas porque continua a ser extremamente conveniente para "subir na vida" no quadro do miserabilismo democrático nacional).
Cavaco Silva conhece a mais-valia desse património político que conquistou "a pulso" - a do "homem sério". E utiliza-a despudoradamente: primeiro, recusando esclarecimentos cabais sobre actividades da sua vida privada (venda de acções não cotadas em bolsa) impossíveis de recusar se não fôssemos infelizmente um arremedo de democracia, às vezes patética, num país que funciona com os rituais de uma corte ridícula com três ou quatro príncipes.
No entanto, embora todos soubéssemos que "o homem sério" não tinha nem ouvidos nem olhos (o enriquecimento súbito daqueles que o rodeavam durante os anos gloriosos do cavaquismo nunca o perturbou, que se saiba), o património do "sério n.o 1 do reino" manteve-se e raras vezes foi questionado, mesmo pelos adversários. Como se houvesse, de facto, políticos de primeira e de segunda: o "rei", ungido por Deus, e a plebe.
Repare-se que Cavaco Silva não deu resposta nenhuma desde o famoso Novembro de 2008, em que declarou - por comunicado da presidência, depois de os serviços de Belém terem sido insistentemente questionados - "nunca ter comprado nem vendido nada ao BPN". Ora, uma vez que Cavaco Silva e a filha compraram e venderam acções da Sociedade Lusa de Negócios, detentora do capital do Banco Português de Negócios, ao desmentir a existência de qualquer ligação ao BPN o Presidente tornou o caso uma anedota monstruosa.
O negócio foi feito dentro do chamado "universo BPN", por sugestão de alguém (Oliveira Costa? Dias Loureiro?) que o Presidente sempre se recusou a explicitar. A relação de Cavaco Silva com os envolvidos do caso BPN, pessoal e política, não faz obviamente do Presidente um "cúmplice" do BPN caso de polícia, mas obriga-o a explicações essenciais em sociedades democráticas, que Cavaco sempre recusou dar, refugiando-se nas patéticas autoproclamações de que para se ser "mais sério" do que ele seria "preciso nascer duas vezes".
Cavaco Silva toma, e sempre tomou, os portugueses por parvos. De certa maneira tem razão: o seu sucesso eleitoral prova que a sua estratégia costuma funcionar - e nisso é mimética da de José Sócrates, nos sucessivos casos que vieram a público.
A gigantesca vitimização agora desencadeada pela campanha cavaquista contra Manuel Alegre, onde não faltam as acusações de "campanha suja", de violação "do mais elementar dever de decência democrática", e incluindo de "desonestidade", apelando ao "repúdio" dos "portugueses", podia ter sido assinada por qualquer "spin doctor" de Sócrates.
Sim, somos todos parvos. É provável que sim. Perante um político em transe de vitimização aderimos como a um íman, desejosos de aprovação "divina". Temos o que merecemos.
Redactora principal
Escreve à quinta-feira