[Sempre os livros]
Por mudanças conjunturais, fui obrigado a desmontar e a remontar a estante onde guardo parte significativa da minha biblioteca.
No meio da transumância literária, dei comigo a pensar na quantidade de episódios a que estes silenciosos volumes assistiram, acumulando na superfície e entre as suas folhas, além do incontornável pó, memórias e vestígios de uma ou várias vidas: um prospecto escrito em catalão, o bilhete do autocarro de uma cidadezita no meio do México (com orações impressas), um arranhão, um postal de uma exposição de fotografia, um livro comprado aqui ou ali e transportados em mochilas várias, uma mancha de café, a receita com que me deliciei e aquelas que ainda estão por experimentar, um caderno com anotações sobre o deserto...
Os livros, estes que me aproximam de um ser recolector, são talvez o meu único sinal exterior de riqueza. O seu valor é impossível de calcular por olhos destreinados ou por gente de coração (