[da crise]
Quando lhes falava da crise na Europa, os argentinos olhavam-me com um misto de curiosidade e resignação e disparavam... "bem, nós aqui sempre vivemos em crise".
Uma amiga polaca que vive em Lisboa dizia-me mais ou menos o mesmo " estou cá há vinte anos e sempre ouvi essa conversa de apertar o cinto".
Lembrei-me disto esta manhã, enquanto lia no jornal um excelente artigo do João Ramos de Almeida, onde se explica parte da crise que vivemos e mostra bem como os governos de PS/PSD/CDS nunca quiseram dar passos concretos para haver transparência e justiça fiscal, preferindo imputar a quem trabalha o peso dos impostos.
As duas primeiras frases do artigo são lapidares, mas recomendo a sua leitura integral e sua afixação em locais públicos...
"Os números oficiais mostram que o Programa e Estabilidade e Crescimento (PEC) anunciado está mal repartido entre grupos sociais. O investidor Joe Berardo já assumiu que não será tocado. Os cortes nos benefícios fiscais (BF) das empresas pouco contribuem. Pouco se sabe ainda sobre o imposto sobre a banca.
Muito do desequilíbrio advém da urgência. O Governo - sob pressão externa - cortou na massa de contribuintes. Mas será possível encontrar outras fontes de receita que evitassem os cortes nos grandes montantes orçamentais da função pública, das despesas sociais e dos impostos indirectos que recaem sobre toda a população?"
Quinze anos de combate a sério à evasão fiscal tornariam PEC "evitável"
Os números oficiais mostram que o Programa e Estabilidade e Crescimento (PEC) anunciado está mal repartido entre grupos sociais. O investidor Joe Berardo já assumiu que não será tocado. Os cortes nos benefícios fiscais (BF) das empresas pouco contribuem. Pouco se sabe ainda sobre o imposto sobre a banca.
Muito do desequilíbrio advém da urgência. O Governo - sob pressão externa - cortou na massa de contribuintes. Mas será possível encontrar outras fontes de receita que evitassem os cortes nos grandes montantes orçamentais da função pública, das despesas sociais e dos impostos indirectos que recaem sobre toda a população?
A resposta é afirmativa. Os dados da DGCI mostram que a evasão e fraude fiscal esconde elevados montantes por tributar e que os sucessivos governos perderam década e meia para combatê-las. Cortar os meios de fuga poderia ter evitado grande parte do PEC anunciado, caso tivesse havido vontade para avançar por aí.
Tributação do património
Em Abril de 1999, António Guterres incumbiu Medina Carreira de apresentar uma reforma da tributação do património, mobiliário e imobiliário. Mas Guterres recuou e apenas aceitou a tributação dos prédios urbanos. Mas nem isso avançou. Em 2003, o Governo PSD aprovou a reavaliação apenas dos imóveis urbanos vendidos. Os 11 milhões de prédios rústicos ficaram de fora e até agora apenas uma parte dos 6 milhões de imóveis urbanos foi reavaliada. A actualização das matrizes prediais não foi feita e não será cumprida a meta de 2013. O Governo está contra tributar as grandes fortunas. Mas por pressão do PP, um Governo PS acabou com o imposto sucessório e substituiu-o por imposto de selo. Resultado: grande parte da riqueza não é tributada.
IRS mantém concentração
Em 1996, os rendimentos dos assalariados e pensionistas pagavam 86 por cento da receita do IRS. Os independentes, os agrícolas, industriais, comerciantes, donos de prédios, de capitais e mais-valias pagavam os restantes 14 por cento. Em 2008, a concentração agravou-se: os assalariados e pensionistas já pagam 92 por cento de todo o IRS. Apenas este ano se aceitou tributar as mais-valias mobiliárias. Resultado: todo o rendimento além dos salários e pensões consegue facilmente fugir à tributação.
IRC esburacado pela evasão
Em 1994, só um terço das 200 mil sociedades pagava IRC. Em 2007, apenas 36 por cento das 379 mil empresas declararam actividade para pagar IRC. Mas cerca de 15 por cento pagaram o famoso pagamento especial por conta. Ou seja, mesmo com o pagamento especial, metade das empresas nada pagou. Em 1994, metade da receita de IRC foi paga por 123 empresas e, em 1995, quase 96 por cento das 200 mil sociedades (até 500 mil contos de facturação) pagaram 17 por cento da receita de IRC. Mas em 2007, os mesmos 96 por cento das empresas (até 2,5 milhões de euros de proveitos) pagaram 21 por cento da receita do IRC. Cresce o número de empresas com prejuízos, repercutindo-se nos lucros futuros. Entre 1989 e 1996, foram 35 mil milhões de euros de prejuízos fiscais (78 por cento do lucro tributável). De 1997 a 2002, mais 52,9 mil milhões (56 por cento do lucro tributável). E só nos cinco anos de 2003 a 2007 somaram 44 mil milhões (37 por cento do lucro tributável). Só este ano o Parlamento reduziu de 6 para 4 anos o número de exercícios em que se pode abater aos resultados. Resultado: um universo significativo das empresas não paga imposto, mas continua a existir.
Sinais exteriores de riqueza
Após dez anos de aplicação da Lei 30-G que penaliza as manifestações de fortuna, o Fisco continua sem acesso directo à informação que permite aplicá-la. A IGF criticou o Governo por nunca ter estabelecido a ligação directa entre o Fisco e as conservatórias do registo predial e do automóvel. O controlo dos barcos e aviões particulares é defeituoso. A própria lei dificulta a cobrança e o Fisco não fiscaliza - por ordem superior - barcos ou aeronaves. Resultado: nem as fortunas manifestadas no consumo são acompanhadas.
Métodos indiciários
Se a empresa omite facturação, o Fisco pode estimar a actividade por métodos indirectos, através dos "indicadores objectivos de base técnico-científica". Foram sugeridos pela comissão Silva Lopes em 1996, à semelhança de outros países. Estão na Lei Geral Tributária desde 1998, mas nunca foram aplicados, por pressão dos empresários. PS e PSD foram hesitando e adiando. O actual secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Sérgio Vasques, admitiu que o OE de 2011 trará novidades. Resultado: elevados rendimentos não foram tributados por falta de métodos de tributação.
Benefícios fiscais
Sousa Franco, ex-ministro das Finanças de Guterres, criticou os governos por cederem à pressão dos lobbies nos BF. Passados 15 anos, os dirigentes do Fisco queixam-se do desvirtuamento dos BF, sem que a lei mude. A própria IGF tem feito auditorias e concluiu que os BF e isenções fiscais (SGPS, por exemplo) são usados apenas por grupos económicos (em 2007, os fundos de investimento movimentaram 39 mil milhões de euros e pagaram de imposto 242 milhões de euros). As medidas de combate ao planeamento fiscal agressivo de 2007 foram frouxas, o Governo cedeu às pressões e Sérgio Vasques afirma-se insatisfeito. Resultado: milhares de milhões de euros conseguem evitar a tributação.
Sigilo bancário e fiscal
Dois tabus que unem os partidos à direita e as associações empresariais, mas que não existem em países como a Suécia. Os governos foram lentamente evoluindo. Desde ser contra, em 1995 - o ministro Sousa Franco foi o autor do sigilo bancário na década de 70 quando o jornal O diário divulgou as dívidas bancárias de Sá Carneiro -, até hoje, em que está previsto um mecanismo de acesso a saldos bancários de todos os contribuintes. No sigilo fiscal, a posição evoluiu de um "não" até se aceitar a divulgação das dívidas fiscais de quem já ultrapassou todas as fases de execução fiscal. Resultado: a evasão fiscal beneficia do sigilo.