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Quando eu passo, as árvores ficam sempre*
Publicado no nº 5 do Correio de Sintra, 1 de Maio de 2010Há cerca de um ano recebi um telefonema que me encheu de tristeza. As árvores de Rio de Mouro, algumas plantadas com a minha ajuda, estavam a ser violentadas.
Alergias! Reclamações! Perigo! Argumentavam os responsáveis pela intervenção e o autarca que assistiam à “poda”.
As árvores da minha infância ficaram indefesas e, durante o verão, encheram-se de fungos. Os pássaros que as costumavam habitar viram-se despejados.
No final dessa primavera, a Câmara organizou uma conferência com especialistas, técnicos e munícipes para discutir o arbóreo assunto. Pensei que estavam a reunir condições para que o disparate não se repetisse. Que ingénuo fui.
Há algumas semanas voltei a receber um alerta: As árvores da infância da minha amiga Cristina, do Cacém, estavam a ser reduzidas à insignificância com que alguns as olham.
Desta vez a operação foi mais ampla, chegando a muitas ruas do Concelho.
Dizem-me: Alergias! Reclamações! Perigo! As árvores têm de ser podadas!
De acordo, em espaço urbano as árvores devem ser podadas. Mas até eu, que não percebo da poda, consigo imaginar que esta possa ser feita mais cedo, de forma preventiva, e não na primavera, quando as árvores já estão repletas de folhas, de aves e dos seus ninhos.
E o Arquitecto Ribeiro Telles, cuja competência técnica não se confunde com radicalismo ambientalista, confirma o que o bom senso me indica: “a poda de correcção de ramagens, de levantamento de copas e outras medidas que não tenham o carácter de urgência se devem praticar sempre no período de repouso vegetativo: o da queda das folhas para as árvores de folha caduca, ou o de menor actividade vegetativa para as plantas de folha persistente.” (In A Árvore em Portugal, Assírio e Alvim 2005, 2ª edição, pp. 168).
Diga-se que é este sentido do Regulamento para a intervenção em Árvores de Sintra apresentado à UNESCO em 2005, integrado no Plano de Gestão da Paisagem Cultural.
Olhando para tudo isto, sinto-me inclinado para a conclusão de que estas “podas” radicais surgem porque, em devido tempo, os responsáveis não se preocuparam com o assunto.
Não sou só eu e a minha amiga Cristina que nos sentimos golpeados. Várias têm sido as demonstrações de indignação de munícipes e visitantes, uma vez que o corte, além de errado, está a descaracterizar toda uma zona urbana onde os espaços verdes escasseiam.
Razão tinha Maria Gabriela Llansol, quando observou que se “não fossem as árvores, não haveria arquitectura em Sintra”...
Infelizmente, a maioria dos autarcas com responsabilidades demonstra pouca sensibilidade para o assunto. Só assim se explica que a Assembleia Municipal tenha chumbado uma recomendação para que a “poda”seja suspensa e retomada no tempo devido.
No final do século passado, em plena reunião de Câmara. um Vereador atacou verbalmente uma ambientalista, sugerindo-lhe que fosse viver para cima das árvores, já que gostava tanto delas.
Os tempos mudaram. As vozes da cidadania estão mais fortes e, embora o espírito persista na ideia de alguns, hoje já não ouvimos coisas destas aos nossos autarcas. Está mais próximo o dia em que as árvores e o meio ambiente vão ser alvo de tratamento melhor. Continuaremos a trabalhar nesse sentido.
* Título roubado a Maria Gabriela Llansol, poetisa Sintrense que amava as árvores.
Nota de Rodapé:
Para saber mais sobre património arbóreo, protecção e dignificação das árvores, sugiro uma visita a www.arvoresdeportugal.net, onde também está disponível para subscrição uma petição em defesa das árvores lançada por alguns Sintrenses.