27.8.07

#1 [EPC]

Do Eduardo Prado Coelho não direi generalidades.
Reconheço-lhe a importância e o papel que representa na cultura portuguesa dos últimos 50 anos, apesar do indisfarçável vaidosismo e uma certa tendência para a auto proclamação.
Ficam apenas as palavras.


Eduardo

quando morre um amigo não se sabe o que se há-de dizer,
só que nos faz muita falta, que gostávamos da sua
presença, de saber que nos trazia uma relação diferente
com o mundo e connosco e que também isso

era inquietação, conhecimento e alegria. e há-de ser
sempre duro e difícil aceitar
que a voz que ele tinha, os gestos que fazia,
os seus encantamentos, até as suas manias, a sua maneira de andar,

ficam só na memória entre outras sombras e silêncios.
a vida continua, sim, o mundo continua,
todos dizemos isso e sente-se uma precária segurança,
uma surda música de alívio porque não é ainda a nossa vez,

e continuam os rios e os mares, as nuvens e os continentes,
as derivas da história, as coisas do dia-a-dia,
mesmo que um amigo morra, e continuam
os homens e os seus conflitos, e continuam

as coisas mais belas e as mais sórdidas, as mais pungentes e as
que nos marcam a esperança, mesmo que morra
um amigo que não voltaremos a ver e se tenha tornado
apenas uma íntima presença.

nós pressentimos tudo isso porque temos
de agarrar-nos a qualquer coisa, e ainda mais
quando morre um amigo e nos vem a certeza
de que uma parte de nós, do que nos explica, do que é

a nossa geração morre com ele.

Vasco Graça Moura
In Público, 27.08.2007