18.4.04

#1

histórias do despertar

encontro-me perante um emaranhado de ideias, de sonhos e de pensamentos que parecem não se ter ordenado com o sono. levanto-me e deambulo pela casa como se estivesse a passear numa realidade desconhecida. as palavras estão enroladas num novelo sem pontas, o novelo do sentido que as une.
esta foi a sensação de acordar no domingo cinzento que hoje se pôs.
a casa silênciosa, o jornal da manhã com notícias sem novidade, o pequeno almoço e um café justo com açucar mascavado devolvem-me, pouco a pouco, a um sentir mais terra a terra.
debruço-me sobre as últimas páginas da pretensa lucidez de saramago, e eis que, pela página 290, encontro uma passagem que me faz sorrir e andar umas horas para trás, regressando ao despertar:

" Não dormiu bem, sonhou com uma nuvem de palavras que fugiam e se dispersavem enquanto ele as ia perseguindo com uma rede de caçar borboletas e lhes rogava Detenham-se, por favor, não se mexam, esperem aí por mim. Então, de repente, as palavras pararam e juntaram-se, amontoaram-se umas sobre as outras como um enxame de abelhas à espera de uma colmeia onde se deixassem cair, e ele, com uma exclamação de alegria, lançou a rede. (...)"

José Saramago, in Ensaio sobre a lucidez