#2
uma história de Racismo
manhã de sexta feira, subúrbio cinzento, frio e chuva.
entro na estação de comboio ao som de uma gritaria imensa.
no cais de Sintra um revisor discute em altos berros com um individuo que, ao que parece, vinha no comboio sem bilhete. os gritos ecoam na estação.
o cais de lisboa está repleto de gente silenciosa que assiste impavida e silênciosa à questão.
não sei o que se passou ali, não vi onde a conversa começara, quem tinha razão.
mas vi onde acabou, e sei que, nesse momento, o revisor da cp perdeu de vez toda a razão que provavelmete teria:
depois de já terem enveredado pela ofensa mutua, viraram as costas um ao outro e foram em direcções opostas, cada um deles a gritar as suas razões.
e as razões do revisor foram sublinhadas com um categórico preto de merda e um taxativo volta para a tua terra!
o cais de lisboa silêncioso, baixando os olhos, enterrando a vergonha nas notícias da morte de Feher ou apaudindo em secreto prazer.
preto de merda...
o silêncio sepulcral...
não me contive: chamei-lhe racista, lembrei-lhe que tem responsabilidades pelo farda que estava a usar, que tinha de ser imparcial.
toda a gente a ouvir, o silêncio cortante.
respondeu-me, na sua fúria, que eu tinha bilhete e o outro não.
pois... e isso é justificação para abrir a cartilha do preconceito, reduzindo outra pessoa à cor da sua pele?
o cais de lisboa manteve-se silêncioso, os olhos em baixo, a vergonha enterrada nas notícias da morte de Feher, os secretos aplausos de prazer.
fiquei com pena de não apresentar queixa contra o revisor por acto racista no cumprimento das funções. não ter bilhete pune-se com multa, não com impropérios. mas senti-me leve, ganhei o dia.