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mais um texto de rodrigo francisco, repescado no dnj
Os dez maiores monstros da história
Não pá, vou para o trabalho. Na Mercedes, na secção das peças. Vou no terceiro contracto. É pá, não sei. Não sei, estou eu e mais dois, um de nós deve ficar, os outros não sei. E tu? Mas és actor? Pois, também deve ser fixe. Não pá, não costumo ir: eu gosto é de cinema. Vou ali ao Fórum Almada, agora já não é preciso ir a Lisboa, às vezes vamos ao Vasco da Gama, ao fim de semana. Com a minha namorada. Não, esse não vimos. Vimos aquele do Tarantino mas a minha namorada achou que era porrada a mais. Não, esse também não vi. Também não. O livro muito menos. Gosto pá, até gosto: às vezes vou à Fnac e compro qualquer coisa. Literatura também: um pouco de tudo. Olha, o último que trouxe chamava-se Os Dez Maiores Monstros da História. É sobre os gajos que mais merda fizeram ao longo da vida. Olha, por exemplo: o Hitler, um Ivan qualquer coisa, um serial killer americano. (Risos) Não pá, o Bush não vinha (Risos). Mas a sério pá, gostava de ir ver isso, não sei é onde é que fica. Eu sei que não é caro, mas nós vamos mais ao cinema. Ah arranjas?, então vamos. Dá-me o teu número que hoje ligo-te a dizer qualquer coisa. Nove seis é uma óptima escolha; a minha namorada tinha nove três mas eu convenci-a a mudar. Ligo pá, a sério. Olha, saio aqui; um abraço.
(O resto do caminho com a cabeça encostada ao vidro da janela do comboio a pensar na conversa com o meu antigo amigo de infância suburbana que já quase não me reconhecia. A pensar em como nem por um segundo se apercebeu de que o sugava até ao tutano para o transformar em prosa. O resto do caminho com pena dele, quase até às lágrimas, achanado-me um
filho da puta, filho da puta, filho da puta
derivado a esta mania fodida de avaliar a felicidade dos outros).