#2
não tendo a textura, o odor e a escravidão do papel, resta-me a frieza do plasma, onde também navegam poemas
a escrava
ontem, quanto senti a noite, segurei os teus dedos.
a tua pele nua não pode ser igual à minha memória.
ontem à noite, imaginei que segurei os teus dedos.
os teus cabelos talvez possam ser beijados. os teus
lábios existem. ontem, ao ver-te, descobri que não
aprendi nada quando corri o mundo. o que é um olhar?
existe sempre ontem na memória que me enche de
sonhos. os teus dedos tocam-me dentro dos sonhos.
nos teus lábios, imagino beijos. perdi-me no mundo.
no mundo, há jardins e palácios onde nunca entrarás.
és demasiado bela para o mundo. não te conheço.
quando entras para me servir, não te conheço.
ontem, esqueci todas as respostas: os teus dedos,
a tua pele e a memória. os teus cabelos, os teus lábios
e os sonhos. ontem, deixei de saber o que é um olhar.
josé luis peixoto, in a casa, a escuridão